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domingo, 19 de julho de 2015

A PIOR AUDIÊNCIA

O texto que será apresentado não é novidade, está na internet 
desde 2012, no entanto, só agora tomei conhecimento dele. 
E, coincidentemente, guarda pavorosa relação com o livro 
à sorteio aí embaixo, que é uma obra de Kafka. 

A audiência descrita pelo Desembargador Paulo Rangel pode 
ser facilmente confundida com uma visão kafkiana, entretanto, 
faz parte da realidade brasileira. Resta saber até quando esta 
semelhança vai perdurar. 

O que nos deixa esperançoso é constatar que, mesmo não sendo 
muita coisa em proporção - talvez 1% - há gente de bom senso 
no Judiciário brasileiro! 

A PIOR AUDIÊNCIA DA MINHA VIDA 
Desembargador Paulo Rangel 

"A minha carreira de Promotor de Justiça foi pautada sempre 
pelo princípio da importância (inventei agora esse princípio), 
isto é, priorizava aquilo que realmente era significante diante da 
quantidade de fatos graves que ocorriam na Comarca em que 
trabalhava. Até porque eu era o único promotor da cidade e só 
havia um único juiz. Se nós fôssemos nos preocupar com furto 
de galinha do vizinho; briga no botequim de bêbado sem lesão 
grave e noivo que largou a noiva na porta da igreja nós não 
iríamos dar conta de tudo de mais importante que havia para 
fazer e como havia (crimes violentos, graves, como estupros, 
homicídios, roubos, etc). 

Era simples. Não há outro meio de você conseguir fazer justiça 
se você não priorizar aquilo que, efetivamente, interessa à 
sociedade. Talvez esteja aí um dos males do Judiciário quando 
se trata de "emperramento da máquina judiciária". Pois bem. 
O Procurador Geral de Justiça (Chefe do Ministério Público) da 
época me ligou e pediu para eu colaborar com uma colega da 
comarca vizinha que estava enrolada com os processos e 
audiências dela. Lá fui eu prestar solidariedade à colega. 

Cheguei, me identifiquei a ela (não a conhecia) e combinamos 
que eu ficaria com os processos criminais e ela faria as 
audiências e os processos cíveis. Foi quando ela pediu para, 
naquele dia, eu fazer as audiências, aproveitando que já estava 
ali. Tudo bem. Fui à sala de audiências e me sentei no lugar 
reservado aos membros do Ministério Público: ao lado direito 
do juiz. 

E eis que veio a primeira audiência do dia: um crime de ato 
obsceno cuja lei diz: 

Ato obsceno
Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou 
exposto ao público: 
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. 

O detalhe era: qual foi o ato obsceno que o cidadão praticou 
para estar ali, sentado no banco dos réus? Para que o Estado 
movimentasse toda a sua estrutura burocrática para fazer valer 
a lei? Para que todo aquele dinheiro gasto com ar condicionado, 
luz, papel, salário do juiz, do promotor, do defensor, dos policiais 
que estão de plantão, dos oficiais de justiça e demais 
funcionários justificasse aquela audiência? Ele, literalmente, 
cometeu uma ventosidade intestinal em local público, ou em 
palavras mais populares, soltou um pum, dentro de uma agência 
bancária e o guarda de segurança que estava lá para tomar conta 
do patrimônio da empresa, incomodado, deu voz de prisão em 
flagrante ao cliente peidão porque entendeu que ele fez aquilo 
como forma de deboche da figura do segurança, de sua 
autoridade, ou seja, lá estava eu, assoberbado de trabalho na 
minha comarca, trabalhando com o princípio inventado agora da 
importância, tendo que fazer audiência por causa de um peidão 
e de um guarda q ue não tinha o que fazer. E mais grave ainda: 
de uma promotora e um juiz que acharam que isso fosse algo 
relevante que pudesse autorizar o Poder Judiciário a gastar 
rios de dinheiro com um processo para que aquele peidão, 
quando muito mal educado, pudesse ser punido nas "penas 
da lei". 

Ponderei com o juiz que aquilo não seria um problema do 
Direito Penal, mas sim, quando muito, de saúde, de educação, 
de urbanidade, enfim? Ponderei, ponderei, mas bom senso não 
se compra na esquina, nem na padaria, não é mesmo? Não se 
aprende na faculdade. Ou você tem, ou não tem. E nem o juiz, 
nem a promotora tinham ao permitir que um pum se 
transformasse num litígio a ser resolvido pelo Poder Judiciário. 

Imagina se todo pum do mundo se transformasse num 
processo? O cheiro dos fóruns seria insuportável. 

O problema é que a audiência foi feita e eu tive que ficar ali 
ouvindo tudo aquilo que, óbvio, passou a ser engraçado. Já 
que ali estava, eu iria me divertir. Aprendi a me divertir com as 
coisas que não tem mais jeito. Aquela era uma delas. Afinal o 
que não tem remédio, remediado está. 

O réu era um homem simples, humilde, mas do tipo forte, do 
campo, mas com idade avançada, aproximadamente, uns 70 
anos. 
Eis a audiência: 

Juiz - Consta aqui da denúncia oferecida pelo Ministério 
Público que o senhor no dia x, do mês e ano tal, a tantas horas, 
no bairro h, dentro da agência bancária Y, o senhor, com 
vontade livre e consciente de ultrajar o pudor público, praticou 
ventosidade intestinal, depois de olhar para o guarda de forma 
debochada, causando odor insuportável a todas as pessoas 
daquela agência bancária, fato, que, por si só, impediu que 
pessoas pudessem ficar na fila, passando o senhor a ser o 
primeiro da fila. 
Esses fatos são verdadeiros? 

Réu - Não entendi essa parte da ventosidade?. o que mesmo? 

Juiz - Ventosidade intestinal. 

Réu - Ah sim, ventosidade intestinal. Então, essa parte é que eu 
queria que o senhor me explicasse direitinho. 

Juiz - Quem tem que me explicar aqui é o senhor que é réu. 
Não eu. Eu cobro explicações. E então.. São verdadeiros ou 
não os fatos? 

O juiz se sentiu ameaçado em sua autoridade. Como se o réu 
estivesse desafiando o juiz e mandando ele se explicar. Não 
percebeu que, em verdade, o réu não estava entendendo nada 
do que ele estava dizendo. 

Réu - O guarda estava lá, eu estava na agência, me lembro que 
ninguém mais ficou na fila, mas eu não roubei ventosidade de 
ninguém não senhor. Eu sou um homem honesto e trabalhador, 
doutor juiz "meretrício". 

Na altura da audiência eu já estava rindo por dentro porque era 
claro e óbvio que o homem por ser um homem simples ele não 
sabia o que era ventosidade intestinal e o juiz por pertencer a 
outra camada da sociedade não entendia algo óbvio: para o 
povo o que ele chamava de ventosidade intestinal aquele 
homem simples do povo chama de PEIDO. E mais: o juiz se 
ofendeu de ser chamado de meretrício. E continuou a 
audiência. 

Juiz - Em primeiro lugar, eu não sou meretrício, mas sim 
meritíssimo. Em segundo, ninguém está dizendo que o senhor 
roubou no banco, mas que soltou uma ventosidade intestinal. 
O senhor está me entendendo? 

Réu - Ahh, agora sim. Entendi sim. Pensei que o senhor 
estivesse me chamando de ladrão. Nunca roubei nada de 
ninguém. Sou trabalhador. 

E puxou do bolso uma carteira de trabalho velha e amassada 
para fazer prova de trabalho. 

Juiz - E então, são verdadeiros ou não esses fatos. 

Réu - Quais fatos? 

O juiz nervoso como que perdendo a paciência e alterando a 
voz repetiu. 

Juiz - Esses que eu acabei de narrar para o senhor. O senhor 
não está me ouvindo? 

Réu - To ouvindo sim, mas o senhor pode repetir, por favor. 
Eu não prestei bem atenção. 

O juiz, visivelmente irritado, repetiu a leitura da denúncia e 
insistiu na tal da ventosidade intestinal, mas o réu não 
alcançava o que ele queria dizer. Resolvi ajudar, embora não 
devesse, pois não fui eu quem ofereci aquela denúncia 
estapafúrdia e descabida. Típica de quem não tinha o que fazer. 

EU - Excelência, pela ordem. Permite uma observação? 

O juiz educado, do tipo que soltou pipa no ventilador de casa 
e jogou bola de gude no tapete persa do seu apartamento, 
permitiu, prontamente, minha manifestação. 

Juiz - Pois não, doutor promotor. Pode falar. À vontade. 

Eu - É só para dizer para o réu que ventosidade intestinal é um 
peido. Ele não esta entendendo o significado da palavra técnica 
daquilo que todos nós fazemos: soltar um pum. É disso que a 
promotora que fez essa denúncia está acusando o senhor. 

O juiz ficou constrangido com minhas palavras diretas e 
objetivas, mas deu aquele riso de canto de boca e reiterou 
o que eu disse e perguntou, de novo, ao réu se tudo aquilo 
era verdade e eis que veio a confissão. 

Réu - Ahhh, agora sim que eu entendi o que o senhor 
"meretrício" quer dizer. 

O juiz o interrompeu e corrigiu na hora. 
Juiz - Meretrício não, meritíssimo. 

Pensei comigo: o cara não sabe o que é um peido vai saber 
o que é um adjetivo (meritíssimo)? Não dá. É muita falta de 
sensibilidade, mas vamos fazer a audiência. Vamos ver onde 
isso vai parar. E continuou o juiz. 

Juiz - Muito bem. Agora que o doutor Promotor já explicou para 
o senhor de que o senhor é acusado o que o senhor tem para 
me dizer sobre esses fatos? São verdadeiros ou não? 

Juiz adora esse negócio de verdade real. Ele quer porque quer 
saber da verdade, sei lá do que. 

Réu - Ué, só porque eu soltei um pum o senhor quer me 
condenar? Vai dizer que o meretrício nunca peidou? Que o 
Promotor nunca soltou um pum? Que a dona moça aí do seu 
lado nunca peidou? (ele se referia a secretária do juiz que 
naquela altura já estava peidando de tanto rir como todos 
os presentes à audiência). 

O juiz, constrangido, pediu a ele que o respeitasse e as 
pessoas que ali estavam, mas ele insistiu em confessar seu 
crime. 

Réu - Quando eu tentei entrar no banco o segurança pediu para 
eu abrir minha bolsa quando a porta giratória travou, eu abri. 
A porta continuou travada e ele pediu para eu levantar a minha 
blusa, eu levantei. A porta continuou travada. Ele pediu para eu 
tirar os sapatos eu tirei, mas a porta continuou travada. Aí ele 
pediu para eu tirar o cinto da calça, eu tirei, mas a porta não 
abriu. Por último, ele pediu para eu tirar todos os metais que 
tinha no bolso e a porta continuou não abrindo. O gerente veio 
e disse que ele podia abrir a porta, mas que ele me revistasse. 
Eu não sou bandido. Protestei e eles disseram que eu só 
entraria na agência se fosse revistado e aí eu fingi que deixaria 
só para poder entrar. Quando ele veio botar a mão em cima de 
mim me revistando, passando a mão pelo meu corpo, eu fiquei 
nervoso e, sem querer, soltei um pum na cara dele e ele ficou 
possesso de raiva e me prendeu. Por isso que estou aqui, mas 
não fiz de propósito e sim de nervoso. Passei mal com todo 
aquele constrangimento das pessoas ficarem me olhando 
como seu eu fosse um bandido e eu não sou. Sou um 
trabalhador. Peidão sim, mas trabalhador e honesto. 

O réu prestou o depoimento constrangido e emocionado e o 
juiz encerrou o interrogatório. Olhei para o defensor público e 
percebi que o réu foi muito bem orientado. Tipo: "assume o que 
fez e joga o peido no ventilador. Conta toda a verdade". O juiz 
quis passar a oitiva das testemunhas de acusação e eu alertei 
que estava satisfeito com a prova produzida até então. 
Em outras palavras: eu não iria ficar ali sentado ouvindo 
testemunhas falando sobre um cara peidão e um segurança 
maluco que não tinha o que fazer junto com um gerente 
despreparado que gosta de constranger os clientes e um juiz 
que gosta de ouvir sobre o peido alheio. Eu tinha mais o que 
fazer. Aliás, eu estava até com vontade de soltar um pum, mas 
precisava ir ao banheiro porque meu pum as vezes pesa e aí já 
viu, né? 

No fundo eu já estava me solidarizando com o pum do réu, 
tamanho foi o abuso do segurança e do gerente e pior: por 
colocarem no banco dos réus um homem simples porque 
praticou uma ventosidade intestinal. 

É o cúmulo da falta do que fazer e da burocracia forense, além 
da distorção do Direito Penal sendo usado como instrumento 
de coação moral. Nunca imaginei fazer uma audiência por 
causa de uma, como disse a denúncia, ventosidade intestinal. 
Até pum neste País está sendo tratado como crime com tanto 
bandido, corrupto, ladrão andando pelas ruas o judiciário parou 
para julgar um pum. 

Resultado: pedi a absolvição do réu alegando que o fato não 
era crime, sob pena de termos que ser todos, processados, 
criminalmente, neste País, inclusive, o juiz que recebeu a 
denúncia e a promotora que a fez. O juiz, constrangido, 
absolveu o réu, mas ainda quis fazer discurso chamando a 
atenção dele, dizendo que não fazia aquilo em público, ou seja, 
ele é o único ser humano que está nas ruas e quando quer 
peidar vai em casa rápido, peida e volta para audiência, por 
exemplo. 

É um cara politicamente correto. É o tipo do peidão covarde, ou 
seja, o que tem medo de peidar. Só peida no banheiro e se não 
tem banheiro ele se contorce, engole o peido, cruza as 
perninhas e continua a fazer o que estava fazendo como se 
nada tivesse acontecido. Afinal, juiz é juiz. 

Moral da história: perdemos 3 horas do dia com um processo 
por causa de um peido. Se contar isso na Inglaterra, com 
certeza, a Rainha jamais irá acreditar porque ela também, 
mesmo sendo Rainha? Você sabe." 

Rio de Janeiro, 10 de maio de 2012. 
Paulo Rangel, Desembargador do Tribunal de Justica 
do Rio de Janeiro. 

Abraço do tesco. 

4 comentários:

Lua Singular disse...

Oi Tesco, só você pra me fazer rir.
Ainda bem que moro numa cidade pequena e já havia avisado. Se me barrarem na porta, além de tirar minha gorda conta de lá, fico pelada dentro da roleta. Imagina, com esse "corpão" lindo irão me chamar para fazer fotos na revista.kkkkkkkkkk. Esqueceu que no Brasil tudo pode????
Beijos
Dorli

Shirley Brunelli disse...

Era só o que faltava... Bandidos, criminosos, pedófilos e etc, soltos nas ruas e o sujeito, coitado, só porque...bem, podemos esperar tudo dessa nossa Justiça.
Mas, deu pra rir, viu tesco?
Kisojn!

CÉU disse...

Olá, tesco!

Que coisa mais absurda! Isto, foi real. Nossa!
Coitadinhos dos intestinos k até precisam "respirar".

Abraços.

Hecta disse...


Tesco, esse fato é verdadeiro?
Nesse país tudo pode mesmo!
Imagina mesmo isso sendo contado noutros países...
Depois, querem que levemos a justiça a sério!
kkkkk
hiscla