Devido ao fato de as línguas naturais não serem planejadas,
vão se amontoando os vocábulos e as expressões e, muito
depois surge a gramática tentando por alguma ordem. Disso
surgem confusões, repetições, distorções, e outros 'ões', que
tornam alguma deduções perfeitamente possíveis.
Relembro isso porque lhes trago um texto do excepcional
escritor moçambicano Mia Couto, "Venho aqui brincar no
português", publicada em "Estórias Abensonhadas", de 1997,
e transcrita em "Do Rovuma ao Maputo - Antologia de Autores
Africanos”, obra organizada por Carlos Pinto Pereira, de onde
extraí o texto.
Aqui, Mia Couto levanta questões, obviamente humorísticas,
mas perfeitamente lógicas, que nos levariam a questionar
seriamente a estrutura da língua, se não soubéssemos que
língua natural é assim mesmo, um pau que já nasce torto.
Então, divirtamo-nos com as 'descobertas' do Mia.
VENHO AQUI BRINCAR NO PORTUGUÊS
Mia Couto
"Perguntas à Língua Portuguesa
Venho brincar aqui no Português, a língua.
Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem
colocar à língua:
Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?
A diferença entre um às no volante ou um asno volante
é apenas de ordem fonética?
O mato desconhecido é que é o anonimato?
O pequeno viaduto é um abreviaduto?
Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente?
Quem vive numa encruzilhada é um encruzilheu?
Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras:
o invertebrado?
O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio:
devia ter marfim ou riofim?
Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"?
Não tendo sucedido em Maio mas em Março
o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?
Mulher desdentada pode usar fio dental?
A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?
As reservas de dinheiro são sempre finas.
Será daí que vem o nome: "finanças"?
Um tufão pequeno: um tufinho?
O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?
Em águas doces alguém se pode salpicar?
Adulto pratica adultério. E um menor:
será que pratica minoritério?
Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?
Borboleta que insiste em ser ninfa:
é ela a tal ninfomaníaca?
Brincadeiras, brincriações."
* * *
Enquanto não obtemos respostas, vamos falando assim mesmo,
essa língua que tanto nos caracteriza.
Abraço do tesco.
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3 comentários:
Você pode não gostar do que vou dizer...Pôxa! Esse Mia Couto não tinha nada melhor pra fazer?... Não sei se cascavel tem dentes, mas, se eu fosse uma vel, eu morderia o calcanhar dele.
Fique brabo comigo não, tesquinho, mesmo que sua admiração pelo Mia, seja grande.
Kisojn!
Olá, tesco!
Agradeço, de coração, suas visitas e preciosos comentários, em forma de versos.
Mia Couto é um excecional escritor Moçambicano, e Moçambique foi colónia portuguesa até 1974, Contudo, as raízes e as marcas deixadas por nós neste país são imensas.
Não conhecia essa faceta de Mia Couto, que não é nada fácil de fazer, de estabelecer um raciocínio e de dar reposta. Algumas me pareceram satíricas, outras, racionais.
A Língua é muito traiçoeira, como se diz, por aqui, mas, qualquer idioma se adapta a esses tipo de "brincadeira".
Abraço.
Penso que a Língua Portuguesa é infinita...
E é viva, com seus contornos pelos sotaques de cabo a rabo em nosso Brasil.
Brincadeiras de Mia Couto que são a sua cara!
Beijos, ótima semana!
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