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domingo, 23 de novembro de 2014

SABEDORIA DE FEITICEIRO

Leio “O feiticeiro e a sombra”, de Ursula K. Le Guin,
afamada escritora de ficção científica. A ficção aqui não é 
científica, evidentemente, ela escreve também na área da 
fantasia.

Não é gênero de que eu seja adepto, longe de mim Harry
Potters, Nárnias e Senhores do Anel, mas sempre agradável
é uma prosa bem contada. Por isso encaro o ciclo “Terramar” 
da Ursula, ela escreve bem e os livros não são longos.

Selecionei do capítulo 2, “Sombra”, um trecho que achei
interessante, pois nos traz bons ensinamentos, desde que
se olhe convenientemente. Convém ressaltar que o
feiticeiro do título não é Óguion, como pode parecer à
primeira vista, mas Gued, conhecido como Gavião, ainda
em fase de aprendizado.

Óguion, o mestre, e Gued, o discípulo, caminham para a
residência daquele, onde Gued será aprendiz por algum
tempo. O mestre, que é de pouco falar, dá alguma instrução
preliminar:

“— Tu queres lançar feitiços — prosseguiu finalmente Óguion, 
sempre caminhando. — Já tiraste demasiada água desse poço. 
Espera. Chegar a homem adulto requer paciência. Chegar a 
mestre requer nove vezes mais paciência. Que erva é aquela, 
à beira do caminho?
— Centáurea-azul.
— E aquela?
— Não sei.
— Quadrifólio é o nome que lhe dão.
Óguion estacara, com a ponteira de cobre do seu bastão
junto à pequena erva, de modo que Gued olhou a planta de
perto, arrancou-lhe uma vagem seca e, por fim, já que
Óguion se remetera ao silêncio, perguntou:
— E que utilidade tem, Mestre?
— Que eu saiba, nenhuma.”

Isso até parece gozação, mas, algumas centenas de metros
adiante, o mestre esclarece:

“— Quando conheceres o quadrifólio em todas as suas 
estações, a sua raiz, folha e flores, pela vista, pelo aroma 
e pela semente, então poderás aprender o seu nome
-verdadeiro, conhecendo o seu ser. E esse é bem mais que
a sua utilidade. Ao fim e ao cabo, que utilidade tens tu?
Ou eu? A Montanha de Gont é útil, ou o Alto-Mar?
Óguion continuou a caminhar durante cerca de um
 quilômetro e lá acabou por voltar a falar.
— Para ouvir, temos de estar em silêncio.”

Aí está bem exposta a questão da utilidade das coisas, o
que não está bem explícito é a resposta a essa questão.
Sim, tem explicação sim. Ser pragmático, levar em conta
a finalidade de cada coisa, é bom, há porém a questão da
limitação do conhecimento humano. O homem não sabe
a finalidade de todas as coisas, principalmente, quando
não toma em consideração o lado espiritual.

Cada coisa que existe tem sua finalidade, o acaso não
regula nada. O que não quer dizer que, já que há uma razão, 
forçosamente a conheçamos. Muito longe estamos de tal
situação, mas para isso temos o raciocínio e temos a 
ciência, quer dizer, a vontade de conhecer as causas.

Mais adiante, na mesma caminhada, o mestre discorre 
sobre a responsabilidade na “Arte do Feiticeiro” (Magia?).
Ele ressalta que tudo que se diz ou que se faz, traz consigo
uma carga de consequências. Observem o que ele diz:

“Nunca pensaste que o perigo rodeia forçosamente o poder, 
tal como a sombra rodeia a luz?
A feitiçaria não é um jogo a que nos entreguemos pelo
prazer ou pelos louvores. Cada palavra e cada ato da nossa
Arte é dita e é feito ou para o bem ou para o mal.
Antes de falares ou agires, tens de saber qual o preço a
pagar!”

Aqui fica claro que nada é realizado gratuitamente, as
consequências advindas a partir de determinado ato, serão
seu pagamento ou, em muitos casos, a falta do pagamento.
Como se dizia antigamente “O universo abomina o vácuo”,
ou seja, a retirada de uma peça do seu lugar acarreta uma
imediata reposição por outras peças. E vice-versa, inserção
de alguma coisa em um lugar leva ao deslocamento de
outras.

- Mas eu não sou feiticeiro nem aprendiz, o que é que eu
tenho a ver com esse “regulamento”?

Ele fala de feitiçaria, mas isso tudo pode ser estendido para
a vida em geral, As mesmas regras se aplicam à vida e não
há como escapar disto, estamos imersos nela e, afinal, a
vida é a maior magia que se pode conhecer.

Abraço do tesco.

2 comentários:

Shirley Brunelli disse...

Um grãozinho de areia, porém, parte do planejamento universal, somos suficientemente conscientes para nos responsabilizarmos pelas nossas escolhas.
Valeu, tesco, um beijo!

Anônimo disse...

A vida sempre nos surpreende. Gostei do livro.
Beijotescas