Ainda lendo "Os ensaios" de Montaigne, vejo o capítulo 6,
do livro terceiro, "Sobre os coches", em que Montaigne, na
verdade, encontra um modo de falar contra as excessivas
despesas dos governantes.
Eis um trecho curioso sobre as excentricidades de alguns
deles:
"Os últimos reis de nossa primeira dinastia, como se não
fosse já bem conhecida por melhores títulos a vadiagem
deles, andavam pelo país numa carroça puxada por quatro
bois. Marco Antônio foi o primeiro que se fez transportar em
Roma, e junto com ele uma moça menestrel, por leões
atrelados a um carro.
Heliogábalo fez o mesmo depois, dizendo ser Cibele, a mãe
dos deuses, e também foi transportado por tigres, imitando o
deus Baco; certas vezes também atrelou dois cervos a seu
carro, e uma outra vez, quatro cães; e ainda quatro raparigas
nuas, fazendo-se puxar por elas, com pompa, todo nu.
O imperador Firmo fez seu carro ser levado por avestruzes de
maravilhoso tamanho, de maneira que parecia mais voar do
que rodar."
Heliogábalo (203-222), que foi imperador romano de 2118 a
223, parece que tinha a difícil tarefa de superar alguns de
seus antecessores, como Calígula, Nero, Comodo, e Caracala,
em estupidez e barbaridade.
O comentário de Montaigne sobre isso, me parece bastante
pertinente:
"A estranheza dessas invenções traz-me à mente esta outra
ideia: é uma espécie de pobreza de espírito dos monarcas e
uma prova de não perceberem o bastante o que são eles se
esforçarem para se valorizar e aparecer por meio de despesas
excessivas."
Esse comentário me leva a pensar, não nos governantes,
mas, nas "celebridades" de nossa época, que fazem o diabo
para se manterem como foco de atenção: Os adultérios em
cascata e desenfreados são coisa de rotina, posar nu para
revistas e coisa trivial, as mulheres "se esquecem" de vestir
calcinha para ir às compras, batem ou apanham, conforme
o que der mais audiência... "Chose de locque"!
Porém Montaigne não se referia a isso, naturalmente, ele
continua a falar sobre o dinheiro público:
"O dispêndio me pareceria bem mais régio, assim como mais
útil, justo e duradouro se feito em portos, embarcadouros,
fortificações e muralhas, em edificações suntuosas, em
igrejas, hospitais, colégios, reforma de ruas e estradas."
Devemos ter em mente que a religião (sempre?) fazia parte
do governo, por isso, era função do "rei" também construir
igrejas. E podemos traduzir para nosso tempo "fortificações
e muralhas" como investimentos em segurança pública e
forças armadas.
Muito interessante a consideração sociológica que Montaigne
expressa a seguir:
"...os povos costumam presumir sobre os reis, como fazemos
com nossos criados, que eles devem ter o cuidado de nos
fornecer em abundância tudo o que nos for necessário, mas
jamais devem tocar em nada disso para si mesmos."
Para nós, que descendemos de uma sociedade escravocrata,
isso nos parece natural, o empregado tem a única função de
nos servir, é uma máquina que não necessita manutenção!
Ai de nós se não fosse feita uma legislação trabalhista!
Sim, nós, porque somos patrões em casa, fora de casa, na
maior parte, somos empregados.
Mas não é disso que Montaigne se ocupa, ele continua se
referindo a governantes:
"Se o figuramos com exatidão, um rei não tem nada
propriamente seu: ele mesmo se deve aos outros...
[...]
É por isso que os preceptores da infância dos príncipes,
que insistem em lhes imprimir essa virtude da generosidade
e os exortam a não saber negar e a estimar nada tão bem
empregado como o que darão, ou estão mais preocupados
com seu próprio proveito que com o de seu senhor ou não
entendem direito para quem estão falando. É muito fácil
inculcar a liberalidade em quem tem com que aplicá-la
tanto quanto deseje, às expensas de outro."
Realmente, os professores de futuros governantes não
entendiam que estvam dando dois cursos ao mesmo tempo,
era, além de uma educação pessoal, um curso de formação
política! Ensinar a ser generoso com verbas públicas para
finalidades pessoais, não é nada bom. É necessário que os
governantes se conscientizem sempre que estão mexendo
em dinheiro de outros.
Montaigne tem uma ideia acertada para esse caso:
"Eu antes ensinaria a um monarca este verso do lavrador
antigo: “quem quiser colher fruto, deve semear com a mão,
e não despejar do saco”.
[Verso da poeta Corina, citado por Justo Lipso,
"De amphitheatro", VII (Antuérpia, C. Plantin, 1584, p. 29)].
É preciso espalhar a semente, não entorná-la."
Essa recomendação é boa também para a vida privada:
Precisamos preparar o futuro e, geralmente, não se deve
aplicar todos os recursos de uma só vez.
Abraço do tesco.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Pois uma maigo me ensinou uma vez: "Não coloque todos os ovos numa so cesta".
é mesma coisa de não se deve
aplicar todos os recursos de uma só vez. Rsrs
O mais ineteressante são as celebridades de hoje!Isso é mesmo um fenomeno que nem a eloquencia de ruy Barbosa daria contar de explicar.
E, Tesco, esse tema é muito legal..pois agora que a copa acabou, as eleições serão o assunto do dia!
Bom começar a pensar em vai depositar seu voto! Aquem voce dará emprego nessas eleições!
hiscla
Tudo se repete desde antanho rs.
Beijos, tesco!
Postar um comentário