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domingo, 9 de fevereiro de 2014

UMA CRÍTICA DE MONTAIGNE

Evidentemente, não é uma resenha crítica sobre escritos 
de Michel de Montaigne (1533-1592), pois não tenho 
habilitações para isso. Teremos sim, a leitura de uma 
crítica que Montaigne fazia aos seus contemporâneos, 
em um dos "Ensaios". Trata-se do capítulo 49 do livro 1 
destes ensaios, e que se intitula "Dos costumes antigos". 

Acredito que, embora apareça na crônica , no sentido 
que comumente usamos, o termo 'costumes' se refira 
mais a vestimentas, pois é disso que trata, basicamente, 
o ensaio. Lembro que esse volume do livro foi publicado 
em 1573. 

Inicialmente, Montaigne fala sobre a tendência que têm 
os povos de considerarem seus costumes (no sentido 
comum) melhores que o de outros povos, tendência que 
considera geral. 

"Desculparia de bom grado em nosso povo a tendência 
para não admitir como modelo e regra de perfeição 
senão os próprios usos e costumes, pois é defeito 
generalizado, não somente no homem comum como 
em quase todos os homens, ver e seguir apenas o que 
se praticou desde o berço." 

Isso parece não se aplicar aos brasileiros, que veem os 
europeus, norte-americanos e, ultimamente, também 
os japoneses, como mais cultos, mais educados, mais 
saudáveis, mais bonitos... Em suma, melhores que nós 
em tudo (exceto no futebol). 

Esquecem-se de que os europeus ocidentais levaram 
300 anos espoliando África e América, e que os EUA 
deixaram o poder lhe subir à cabeça, e são ,atualmente, 
a desgraça do mundo. 

Mas, voltemos a Montaigne. Ele critica o fato de os 
franceses acompanharem a moda, e mudarem o estilo 
das roupas constantemente. 

"Mas lamento encontrar em meus compatriotas essa 
inconsequência  que faz que se deixem tão cegamente 
influenciar e iludir pela moda do momento que são 
capazes de mudar de opinião tantas vezes quantas ela 
própria muda, forjando cada vez novas razões para 
justificar a seus próprios olhos seus juízos mais díspares." 

Parece ser uma tendência antiga, que redundou em 
benefício para os franceses: Eles se tornaram o centro 
da moda em termos de roupa, e influenciaram o mundo 
inteiro. 

Porém, o que Montaigne critica mais é o fato de que, ao 
adotarem uma moda mais recente, passam a "espinafrar" 
a moda anterior, que eles mesmos usavam. 

"A maneira de hoje se vestir acarreta crítica imediata 
à de se vestir ontem, crítica que se exerce tão 
precisamente e de comum acordo que se diria 
estarmos, quanto a isso, dominados por uma mania 
perturbadora de nossa inteligência." 

Nesse ponto, Montaigne inicia uma listagem de modas 
que foram usadas e sucessivamente destronadas por 
outras, quase todas, segundo ele, inexplicáveis. 
Corto essa sequência por ser quase ininteligível pra mim. 
Para as mulheres, mais afeitas a essas questões, não é 
o caso, mas, de toda maneira, isso não é essencial. 

Então vem o que, para Montaigne, era questão de falta 
de imaginação dos 'alfaiates': O ressurgimento das 
modas antigas.  

"E sendo essa mudança tão repentina e rápida, não 
pode a imaginação de todos os alfaiates do mundo 
criar novidades em número suficiente, ocorrendo 
então o que se verifica amiúde, reaparecerem, ao fim 
de algum tempo, as modas abandonadas, enquanto 
outras, ainda recentes, deixam de agradar." 

O certo é que Lavoisier só publicaria a lei química da 
conservação das massas (popularmente "Nada se cria, 
nada se perde, tudo se transforma"), mais de 200 anos 
depois, e Chacrinha só iria enunciar a famosa "lei da 
conservação das ideias" ("Nada se cria, tudo se copia"), 
uns 500 anos depois. Conhecendo essas leis, Montaigne 
não atribuiría os ressurgimentos à falta de imaginação. 

Então vem a conclusão e, neste parágrafo final, é que 
chegamos a verificar a defasagem entre as duas épocas: 
A do ensaio e a de hoje. 

"E assim chegamos a  emitir sobre uma mesma coisa, 
em espaço de tempo de 15 e 20 anos, duas ou três 
opiniões não apenas diferentes mas, por vezes,  
absolutamente contrárias, revelando uma inconstância 
e uma leviandade  incríveis." 

Vinte amos! Dá pra imaginar uma "inconstância" dessas? 
Vinte e um anos durou a ditadura militar 1964-85. Pense 
num jovem dos anos 80 todo ornamentado como um 
Roberto Carlos de antes da Jovem Guarda! Ou numa 
mocinha do início do século 21 vestindo-se como nos 
anos 80! 

Realmente, as coisas do tempo de Montaigne são "um 
pouco" diferentes das de hoje! 

Abraço do tesco. 

3 comentários:

Anônimo disse...


Legal esse pensar seu! muito atual, já estamos a discutir sempre a diversidade, o respeito ao outro, às diferenças! O que penso ser muito interessante e que provoca reflexão não são as mudanças rápidas, mas sim a questão de considerarmos nossos costumes e hábitos como melhores que dos outros povos. Isso sim..é horrível.!
hiscla

Shirley Brunelli disse...

Gostei das considerações suas e as de Montaigne. A verdade é que estamos voltando aos tempos da caverna. Após a leveza das roupas modernas, as pessoas voltam a usar roupas de couro, armação metálica, etc...
Beijos, tesco!

Denise Carreiro disse...

Tesco, enquanto lia, ficava imaginando Montaigne nos dias de hoje, com a mudança de moda tão rápido, ele enlouqueceria. Também não lhe caberia na cabeça o consumismo, o uso dos descartáveis, nem a forma com que as pessoas "descartam" outras. Muita paz!