Evidentemente, não é uma resenha crítica sobre escritos
de Michel de Montaigne (1533-1592), pois não tenho
habilitações para isso. Teremos sim, a leitura de uma
crítica que Montaigne fazia aos seus contemporâneos,
em um dos "Ensaios". Trata-se do capítulo 49 do livro 1
destes ensaios, e que se intitula "Dos costumes antigos".
Acredito que, embora apareça na crônica , no sentido
que comumente usamos, o termo 'costumes' se refira
mais a vestimentas, pois é disso que trata, basicamente,
o ensaio. Lembro que esse volume do livro foi publicado
em 1573.
Inicialmente, Montaigne fala sobre a tendência que têm
os povos de considerarem seus costumes (no sentido
comum) melhores que o de outros povos, tendência que
considera geral.
"Desculparia de bom grado em nosso povo a tendência
para não admitir como modelo e regra de perfeição
senão os próprios usos e costumes, pois é defeito
generalizado, não somente no homem comum como
em quase todos os homens, ver e seguir apenas o que
se praticou desde o berço."
Isso parece não se aplicar aos brasileiros, que veem os
europeus, norte-americanos e, ultimamente, também
os japoneses, como mais cultos, mais educados, mais
saudáveis, mais bonitos... Em suma, melhores que nós
em tudo (exceto no futebol).
Esquecem-se de que os europeus ocidentais levaram
300 anos espoliando África e América, e que os EUA
deixaram o poder lhe subir à cabeça, e são ,atualmente,
a desgraça do mundo.
Mas, voltemos a Montaigne. Ele critica o fato de os
franceses acompanharem a moda, e mudarem o estilo
das roupas constantemente.
"Mas lamento encontrar em meus compatriotas essa
inconsequência que faz que se deixem tão cegamente
influenciar e iludir pela moda do momento que são
capazes de mudar de opinião tantas vezes quantas ela
própria muda, forjando cada vez novas razões para
justificar a seus próprios olhos seus juízos mais díspares."
Parece ser uma tendência antiga, que redundou em
benefício para os franceses: Eles se tornaram o centro
da moda em termos de roupa, e influenciaram o mundo
inteiro.
Porém, o que Montaigne critica mais é o fato de que, ao
adotarem uma moda mais recente, passam a "espinafrar"
a moda anterior, que eles mesmos usavam.
"A maneira de hoje se vestir acarreta crítica imediata
à de se vestir ontem, crítica que se exerce tão
precisamente e de comum acordo que se diria
estarmos, quanto a isso, dominados por uma mania
perturbadora de nossa inteligência."
Nesse ponto, Montaigne inicia uma listagem de modas
que foram usadas e sucessivamente destronadas por
outras, quase todas, segundo ele, inexplicáveis.
Corto essa sequência por ser quase ininteligível pra mim.
Para as mulheres, mais afeitas a essas questões, não é
o caso, mas, de toda maneira, isso não é essencial.
Então vem o que, para Montaigne, era questão de falta
de imaginação dos 'alfaiates': O ressurgimento das
modas antigas.
"E sendo essa mudança tão repentina e rápida, não
pode a imaginação de todos os alfaiates do mundo
criar novidades em número suficiente, ocorrendo
então o que se verifica amiúde, reaparecerem, ao fim
de algum tempo, as modas abandonadas, enquanto
outras, ainda recentes, deixam de agradar."
O certo é que Lavoisier só publicaria a lei química da
conservação das massas (popularmente "Nada se cria,
nada se perde, tudo se transforma"), mais de 200 anos
depois, e Chacrinha só iria enunciar a famosa "lei da
conservação das ideias" ("Nada se cria, tudo se copia"),
uns 500 anos depois. Conhecendo essas leis, Montaigne
não atribuiría os ressurgimentos à falta de imaginação.
Então vem a conclusão e, neste parágrafo final, é que
chegamos a verificar a defasagem entre as duas épocas:
A do ensaio e a de hoje.
"E assim chegamos a emitir sobre uma mesma coisa,
em espaço de tempo de 15 e 20 anos, duas ou três
opiniões não apenas diferentes mas, por vezes,
absolutamente contrárias, revelando uma inconstância
e uma leviandade incríveis."
Vinte amos! Dá pra imaginar uma "inconstância" dessas?
Vinte e um anos durou a ditadura militar 1964-85. Pense
num jovem dos anos 80 todo ornamentado como um
Roberto Carlos de antes da Jovem Guarda! Ou numa
mocinha do início do século 21 vestindo-se como nos
anos 80!
Realmente, as coisas do tempo de Montaigne são "um
pouco" diferentes das de hoje!
Abraço do tesco.
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3 comentários:
Legal esse pensar seu! muito atual, já estamos a discutir sempre a diversidade, o respeito ao outro, às diferenças! O que penso ser muito interessante e que provoca reflexão não são as mudanças rápidas, mas sim a questão de considerarmos nossos costumes e hábitos como melhores que dos outros povos. Isso sim..é horrível.!
hiscla
Gostei das considerações suas e as de Montaigne. A verdade é que estamos voltando aos tempos da caverna. Após a leveza das roupas modernas, as pessoas voltam a usar roupas de couro, armação metálica, etc...
Beijos, tesco!
Tesco, enquanto lia, ficava imaginando Montaigne nos dias de hoje, com a mudança de moda tão rápido, ele enlouqueceria. Também não lhe caberia na cabeça o consumismo, o uso dos descartáveis, nem a forma com que as pessoas "descartam" outras. Muita paz!
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