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domingo, 27 de abril de 2014

CAMINHO DO PARAÍSO


O CRUZAMENTO

Vou rumando para o sul. Alegremente, não estou fugindo
de nada. A não ser desta urucubaca que me persegue:
Nada dá certo comigo. Também, a cidadezinha de onde
parti, Millskon, se é que pode ser chamada de cidade,
é pequena demais. Que coisas boas eu poderia conseguir
por lá?


Preciso me aventurar por esse mundo afora, encontrar
uma cidade grande para demonstrar minhas habilidades
e ganhar a vida. Nem precisa ser muito grande, afinal,
qualquer coisa perto de Millskon já é grande.


Opa, um cruzamento. E com placas. Vamos ver pra onde
posso ir.


Hummm. Na esquerda tem Moresti, mas daqui dá pra ver
que não é grande coisa. Lugar igual a Millskon eu dispenso.
Em frente tem Broliff a 120 km. Não conheço, talvez seja
maiorzinha que estas. Nesse passo chego lá em quatro
dias.


Mas que é isso na quarta placa? X? Nunca ouvi falar! Terei
que ir até Moresti, pedir informações.


Peraí! Tem uma casa nessa colina. É, dá pra ver bem pra
quem vem do sul, pra quem vem do norte, fica escondida
pelas arvorezinhas. Hum, tem fruteiras, vou lá, pois meus
suprimentos estão acabando.


O NOVO VELHO

Subo a colina e chego na casa, mas não tem ninguém por
lá. Mas não parece abandonada, tá tudo arrumado e
limpinho, na certa o morador está andando pelo sítio.
Ah, aí vem ele.


- Bom dia, meu amigo! - Grito logo ao vê-lo, não quero que
vejam erradamente minha presença. Embora todos que
encontrei até agora tenham sido amigáveis e hospitaleiros,
nunca se sabe o que vem pela frente.


- Bom dia, meu jovem. - Responde ele, sem esperar se
aproximar - Vem perguntar sobre o X?


Já estava me esquecendo do X, pensando nas frutas que
poderia colher aqui. Mas a pergunta veio em boa hora.

- É. Quero saber quais são as cidades que tem praquele
lado.


- Naquele lado... - diz o velho, que não é tão velho, diga-se,
apenas tem um aspecto cansado - Naquele lado não tem
nada de bom! - Faz uma pausa enquanto se aproxima da
varandinha, sua voz é regular e suave.


Sobe o degrau e me estende a mão:
- Bem vindo! Meu nome de batismo é Jerome, mas não
me conhecem pelo nome, todos me chamam de "velho'. 
Sentou-se no comprido banco e me convidou a sentar.


A seguir, continuou:

- Naquele lado não tem cidade nenhuma, só desolação e
tristeza. Depois do regato, praticamente acaba a vegetação,
por trinta quilômetros nenhuma árvore grande. Os animais
rejeitam aquela área, passarinho não voa por lá.


- É? E por que isso? - Perguntei assombrado.

- Não se sabe. Talvez porque os animais não apreciem o
inferno. - disse o Velho, sorrindo - O morador anterior dizia
que é o caminho do inferno e, pela experiência que eu tive,
seguindo por ali, não tenho dúvidas de que é isso mesmo.


- Sua experiência foi ruim, então? Indaguei, apesar de ser
óbvio.


- Foi pavorosa! Uma noite somente, mas não desejo
repeti-la  por nada neste mundo. Instalei-me debaixo da
árvore grande e tentei dormir, consegui dormir por quatro
horas, mas sempre interrompido por pesadelos. Ou melhor,
por um pesadelo.


- Só um ?

- Sim, mas o mesmo pesadelo várias vezes: Os demônios
querendo me aprisionar. Depois de cochilar e acordar,
repetidamente, resolvi me aventurar pelo caminho, ainda de
madrugada.


- E então?

- Então o pesadelo se tornou realidade e, efetivamente,
 os demônios tentaram me agarrar. Argh! Sempre que me
lembro disso me dá calafrios!


E realmente o Velho tremeu como se estivesse febril. Não
devia mesmo ser algo bom de relembrar. Mas, sonhos de
velhos não me comovem, parece até que os velhos são
especialistas em sonhar, especialmente, com coisas ruins.


- Mas, se você pretende seguir por ali, apesar de tudo, leve
água suficiente, pois, depois do regato, são mais de trinta
quilômetros secos.


- Pretendo ir, sim, afinal foi para isso que saí de Millskon,
para correr o mundo. E ficar preso no inferno ou ficar preso
em Millskon, pra mim, dá no mesmo.

Por falar nisso, será que eu posso pegar algumas frutas
desse seu sítio?


- Certamente. Pegue quanto quiser. Laranja é uma boa
companhia nesse caminho, mas creio que você não vai
precisar de muita comida, afinal você vai voltar correndo,
como eu voltei.


- Pode ser. De qualquer maneira, irei prevenido. Nunca se
sabe, né?


Perambulei um pouco pelo sítio, enchendo o saco com
frutas diversas, logo após, estava me despedindo do Velho,
agradecendo todo o  apoio e esclarecimento. Parti então
para o regato, onde me abasteci de água, fresquinha e
límpida.


Plenamente abastecido, me veio a ideia: Esperar o quê?
Por que não partir agora? Ainda de manhã, cerca das dez
horas, sol ameno, soprando uma suave brisa do leste.
Então, pé na estrada!


PRIMEIRO TRECHO DA JORNADA

O caminho serpenteia entre as colinas e, embora seja
ascendente, não é cansativo em excesso. A caminhada
segue tranquilamente, só é estranho a ausência do barulho
dos pequenos animais e pássaros. Parei algumas vezes,
procurando ouvir alguma coisa e nada consegui. Próximo
ao meio-dia, quando o sol esquenta mais as coisas, me
parece natural que todos procurem se abrigar e tudo fica
mais silencioso. Porém, fiz testes de escuta às três da
tarde e foi o mesmo silêncio. Sei lá, mistérios existem, né?


O dia está claro e luminoso, mas, por volta das cinco da
tarde, já começa a diminuir a luminosidade, e ainda faltam
uns bons dez quilômetros para chegar até a 'árvore grande'
que o Velho falou. Por isso, faço a parada noturna aqui
mesmo.

Como não há nenhum abrigo  à vista, procuro um lugar, o
mais plano possível, e desdobro ali a lona sobre a qual eu
durmo normalmente. Não farei a refeição agora, de vez em
quando, chupava uma laranja pelo caminho, e não tenho
fome. As laranjas do sítio do Velho são muito doces e muito
sumarentas.


Escurece rapidamente, pois o sol se escondeu por detrás
das colinas à oeste. mas ainda falta um tantinho para a lua
aparecer. Vai levantar cheia, hoje. Engraçado como eu
nunca consegui enxergar qualquer imagem de São Jorge
na lua, muito menos de dragão. Quando eu era pequeno,
o Fent me dizia que distinguia até o estribo no pé de São
Jorge. Grande mentiroso era o Fent! E eu acreditava.


Ah! Lá está! É somente o cocoruto, mas já ilumina tudo
Como sobe rápido! Vou esperar o nascimento completo, e
depois é virar-me para o oeste e cair no sono. Amanhã
vou partir bem antes do nascer do sol, com essa lua no
céu, a trilha não ofere...


SEGUNDO TRECHO DA JORNADA

Não vi a lua cheia plenamente nascida no horizonte, o que
é sempre um espetáculo magnífico, nem cheguei a me
virar pro lado oeste, como pretendia, peguei no sono bem
antes.


Dormi bem e devem ser duas da madrugada, mas tudo
está perfeitamente delineado pela iluminação da lua.
Levanto com fome e faço um grande estrago no estoque
de bolachas. As laranjas também sofrem bastante.


Agora, já "dormido e comido", posso prosseguir com o
itinerário previsto. O caminho, apesar de suaves subidas e
descidas, mostra-se relativamente plano, em vista do que
foi percorrido até agora. Assim, posso até ir mais rápido.


Cerca de cinco da manhã, já bastante escuro, pois a lua
agora está escondida pelas colinas a oeste, finalmente
chego até a 'árvore grande'. É realmente grande, vista do
pé da colina, lá em cima não deve parecer tão alta. Como
não tenho nada que fazer lá, sigo adiante. 


A trilha faz uma acentuada curva à esquerda, não de graça,
um contraforte da colina se antepõe como um paredão.
Alguns metros adiante, o contraforte sofre um declive forte,
e a trilha retorna a seu rumo original. Mais uma pequena
curva à direita e outra à  esquerda, e me deparo com um
cenário deslumbrante:


Uma névoa, não muito densa, iluminada pelos últimos raios
da lua. em frente e à direita tudo é plano. Na esquerda
ainda predomina o relevo alto, mas já revestido com uma
vegetação rasteira. A névoa brilha, mas permite ver o que
se situa à frente por uns oito ou dez metros.


Reflexos prateados no lado direito dão a entender que ali
há uma massa de água, um lago, provavelmente, com as
margens pantanosas. Tudo parado, mas talvez os peixes
pululem por ali. E parece que, lá na frente, árvores tornam
a aparecer: Vejo escuras colunas por lá.


Escurece novamente, a lua se oculta no oeste e o sol, que
se prepara pra nascer, ficará escondido por uma boa meia
hora, pois agora as colinas estão por detrás de mim. Mas
vou acostumando a vista e prossigo a caminhada.


O caminho não é muito sinuoso, o que seria perfeitamente
viável, seguindo-se a margem de um lago, mas parece que
os viandantes anteriores não estavam interessados em
pescar. Chego ao trecho em que as árvores dão sombra
novamente, o sol surge, ouço o 'blub' de peixes pulando na
água e, o que é mais entusiasmante, os passarinhos estão
cantando!


Parece que o trecho desolador já passou. Creio que quem
alcançou estas paragens não teria motivos pra retornar.
O lago começa a se afastar da trilha, ou melhor, a trilha se
distancia do lago, este continua no mesmo lugar.


A partir de certo momento, a trilha se torna descendente, a
princípio suavemente, depois, de modo acentuado. Já há
encostas íngremes e as árvores estão encimando morros.
E a sinuosidade aumenta, tanto que não se vê trechos do
caminho, nem muito à frente, nem muito atrás. então, algo
inusitado, aparece na minha frente!


NOVO CENÁRIO

Cenário totalmente diferente: É uma cidade!
Sim, é fácil perceber: Estradas pavimentadas, construções,
delineamentos geométricos, carruagens sem cavalos nas
estradas, devo estar entrando em outra dimensão. Nota-se
logo a diminuição da luz natural, o sol, nascido há pouco,
sumiu do céu, e a luz origina-se de postes com estranhos
e potentes lampiões.


Uns poucos passarinhos ainda pipilam, mas o silêncio é
geral e arrepiante. Sente-se que a cidade não se encontra
abandonada, mas o silêncio é de cemitério, nem latido de
cachorro se ouve.


Vou caminhando devagar, não sei que rumo tomar e sigo
essa estrada. Até que chego num obelisco encimado por
uma estátua, no meio de um tanque circular, quase trinta
metros adiante de um templo. A paisagem é bonita, mas
tudo me deixa intranquilo e apreensivo.


Então acontece o inesperado!

De repente um grito se eleva, não de uma pessoa, mas
de uma multidão invisível. Um grande "ôôôôõô!" se alteia
retumbante, vindo de todo lugar! Ao mesmo tempo o céu
explode milhares de vezes, pensei que estivesse caindo
sobre mim. Agora um novo grito, "êêêêê!", e a multidão
aparece!


Por certo são os demônios vindo reclamar minha alma.
De todos os cantos eles surgem, e vêm pulando e urrando
um grito de guerra: "éécsa! éécsa!", não sei se é o nome
do demônio maior.


E me alcançaram, e me abraçaram, e me fizeram pular
também.   Tudo com uma alegria tão feroz que também me
vi contagiado, pulando alucinadamente e gritando "éécsa!",
embora não tivesse ideia do que dizia.


A multidão não estava estacionária no sentido horizontal,
e terminamos cegando no que parecia ser uma taberna.
Ali, um dos demônios gritou: "Chope pra todo mundo!", e
canecas de cerveja começaram a surgir nas mãos deles,
e uma foi posta na minha mão. Então não procurei mais
raciocinar, entreguei-me ao calor do momento, como um
náufrago ao sabor das ondas.


Nisso, reparei que estava abraçado com uma "demônia",
muito bonita e vestindo uma camisa amarela, como a
maioria deles. Ela me olhava com um olhar cúpido, como o
de todos os demônios, mas tinha um sorriso encantador.


Daí pra frente não hesitei mais, amanhã pode ser o inferno,
mas hoje é o paraíso e aqui ficarei. Meu lugar é aqui!


Abraço do tesco.

6 comentários:

Anônimo disse...


AH Tesco, observe o quanto o caminho é solitário e único! e quantas pequenas escolhas fazemos, microescolhas que determinam todo o resto!
hiscla

Eduardo de Souza Caxa disse...

Fossem demônios mais coloridos, digamos arco-íris, me juntava a eles. Mas desses de amarelo eu fujo rapidinho!

Anônimo disse...

Que final surpreendente. ADOREI amigo.
Beijotescas

Anônimo disse...

Adorei..kkkk..primeira vez que li e nao vou parar mais...So nao sei o que é "encimado"?

tesco disse...

Encimado é uma coisa que tem alguma outra coisa na parte de cima.
No caso, é uma coluna tendo no alto uma estátua.

Anônimo disse...


Aff. reli o texto. è muita solidão p um só!
bom seria solidão acompanhada, nem que fosse pela própria alma.
hiscla