AS BONECAS 
Agora vou mirar três composições que têm um tema em 
comum, e não é a boneca da infância das meninas, mas o 
termo eufemístico, utilizado nos anos 50, para designar as 
"meninas", jovens que 'caíam na vida', fazendo comércio do 
próprio corpo. Pelo menos as três músicas nos deixam essa 
impressão.  
A primeira delas, cronologicamente, é "Boneca de pano", 
composta por Assis Valente e gravada, em 1950, pelo grupo 
Quatro Ases e um Coringa, posteriormente, também por 
Demônios da Garoa. 
Verso curioso é o que diz: 
"E ela, sendo mulher, acreditou". 
Será que quer dizer que ser mulher é ser, necessariamente, 
crédula? Não em todos os campos, mas particularmente 
nesse, a vaidade feminina fala mais alto. A mulher parece 
não acreditar em decadência do corpo e em velhice, quer 
dizer, do SEU corpo e em SUA velhice. 
Portanto, ela acredita em tudo que vai ao encontro de suas 
ambições e de seus sonhos, mesmo os mais espatafúrdios. 
Ouça a música clicando no título, aí embaixo: 
BONECA DE PANO 
Assis Valente 
Boneca de pano 
Gingando num cabaré 
Poderia ser bonequinha de louça 
Tão moça mas não é 
Poderia ser bonequinha de louça 
Tão moça mas não é 
Um dia alguém a chamou de boneca 
E ela sendo mulher, acreditou 
O tempo foi se passando 
E ela se desmanchando 
E hoje quem olha pra ela não diz quem é 
Em vez de boneca de louça 
Hoje é boneca de pano 
De um sombrio cabaré. 
   *   *   *   
Pois é, "hoje quem olha pra ela...", não percebe os sonhos 
que lhe guiaram os passos, apenas vê as consequências. 
E estas chegam, quer queiramos, quer não... 
 
   -   -   -   
A segunda composição é de Adelino Moreira, gravada por 
Nélson Gonçalves em 1955, "Meu vício é você", conhecida 
popularmente como "Boneca de trapo"
Adelino entrevia nessas peças humanas o cerne individual 
que um dia fez suas escolhas, conscientemente ou não, e que 
agora arrastam seu fardo, muitas vezes de modo automático. 
Em muitos casos, entidades invisíveis agem, ofuscando-lhe a 
visão com fantasias irrealizáveis, mas, a responsabilidade 
maior é sempre do indivíduo, que pode ceder ou não às 
influências. Quando o coração manda, não há satanás que 
impeça! 
Clique no título abaixo, e empolgue-se com a interpretação 
do Nélson: 
MEU VÍCIO É VOCÊ 
Adelino Moreira 
Boneca de trapo, pedaço da vida 
Que vive perdida no mundo a rolar. 
Farrapo de gente, que inconsciente 
Peca só por prazer; vive para pecar.
Boneca, eu te quero com todo o pecado, 
Com todos vicios; com tudo afinal. 
Eu quero esse corpo que a plebe deseja, 
Embora ele seja prenúncio do mal.
Boneca noturna que gosta da lua, 
Que é fã das estrelas, que adora o luar, 
Que sai pela noite, amanhece na rua 
E há muito não sabe o que é luz solar.
Boneca vadia, de manha e artificios, 
Eu quero pra mim seu amor só porque 
Aceito seus erros, pecados e vicios. 
Hoje na minha vida meu vicio é você 
   *   *   *   
Quantas marionetes voluntárias rolam pelo mundo e 
"pecam só por prazer, vivem para pecar"! 
Muitos argumentarão; - E daí? O problema é só dela! 
Se fosse somente isso, menos mal. A questão se agrava 
quando o "objeto" é, na verdade, um chamariz, uma isca, o 
"prenúncio do mal". Deus nos livre de servirmos de pedra 
de tropeço para algum irmão. Sejamos sempre o protótipo 
daquilo que desejamos ver no mundo. 
   -   -   -   
A terceira é uma composição de Euclides Rangel (Bolinha) e 
Sebastião Alves da Cunha (Biá), "Boneca cobiçada", gravada 
em 1956 pela duola sertaneja Palmeira e Biá, e depois por 
Carlos Galhardo  e outros. 
Esta música inaugura o que seria conhecido como 'bolero 
sertanejo', pois Bolinha, tendo escrito a letra, apresentou-a a 
Biá, para que a musicasse, esperando que resultasse alguma 
guarânia. Porém Biá, percebendo que o bolero estava no 
auge da moda, conferiu-lhe este ritmo. 
A letra fala em uma "viciada no destempero" (ou, para 
muitos, 'no tempero'), que, mesmo conseguindo encontrar 
um companheiro que lhe dá segurança e carinho, prefere 
retornar à vida mundana, onde tem muitos "donos". 
Isso poderia servir de base para quem defende a filosofia do 
"o pau que nasce torto, morre torto", mas essa é uma teoria 
ilusória. Viemos à essa existência para mudarmos a nós 
mesmos, e sempre estamos mudando. Até as pedras perdem 
as arestas. Nada é imutável. 
Eu mesmo testemunhei o caso de uma ex-prostituta unindo-
se a um respeitável cidadão evangélico (naqueles tempos, 
apenas "crente"), e assumindo a vida doméstica de uma 
comum dona de casa. Essa compartimentação das atitudes 
humanas só existe nas mentes preconceituosas. 
Clique no título e ouça a música com Palmeira e Biá: 
BONECA COBIÇADA 
(Bolinha e Biá)
Quando eu te conheci
Do amor desiludida
Fiz tudo e consegui
Dar vida a tua vida
Dois meses de ventura
O nosso amor viveu
Dois meses com ternura
Beijei os lábios teus.
Porém eu já sabia
Que perto estava o fim
Pois tu não conseguias
Viver só para mim
Eu poderei morrer
Mas os meus versos não
Minha voz hás de ouvir
Ferindo o coração.
Boneca cobiçada
Das noites de sereno
Teu corpo não tem dono
Teus lábios tem veneno
Se queres que eu sofra
É grande o teu engano
Pois olha nos meus olhos
Vê que não estou chorando. 
   *   *   *   
Note que esses cantores cantam o quinto verso como deve 
ser cantado: "dois meses de ventura...", e não "de aventura", 
(como canta Carlos Galhardo),  que não faz sentido, a nao 
ser que a 'boneca' seja a mesma da música anterior. Rerré!
Pois bem, como já notaram, aprecio as letras de músicas 
mais antigas, mas não é um saudosismo à toa, é que elas 
contam uma história (qualquer que seja), não simplesmente 
dizem "Urrú, mamãe, olha eu aqui!", como é mais comum 
hoje. 
Abraço do tesco. 
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6 comentários:
Dantinhas, concordo com vc. A crítica construtiva que vc. faz é muito consistente e agrdável para mim. Dantinhas seria um escritor notável, assim eu acredito, Chico
Bom dia, Tesco!
Muito legal o que você escreveu. E apesar de tratar a mulher como objeto tem poesia, tem letra e ritmo agradável. Mas a essência não muda muito: a visão da mulher a serviço dos desejos masculinos.
hiscla
Tesco, você sempre nos surpreendendo. Eu me lembrei de uma amiga da minha mãe do tempo de mocinha, amizade essa que terminou, visto que o sonho dessa moça era ser prostituta no Rio. Tanto fez que foi para lá. Família importante, rica e de sobrenome famoso. Nunca consegui entender isso.
Beijotescas
Acho interessante esses comentários que vc faz sobre músicas. Algumas conheço, outras venho a conhecer através de suas observações. Concordo com vc, as músicas que falam sobre a vida, são muito melhores e mais agradáveis de ser ouvidas. Muita paz!
Em que momento "boneca" se transforma em sinônimo para travesti? Muito interessante sua postagem.
Meu pai até que tocava bem violão e cantava as músicas do Nelson Gonçalves...Agora, ao ouvir "Meu Vício é Você", meu coração se encheu de lembranças e de nostalgia.
Beijo, tesco!
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