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domingo, 20 de outubro de 2013

PORQUE LER MACHADO

Ler as histórias que Machado de Assis escreveu, para 
ficar sabedor do enredo delas, é uma atividade de lazer, 
por si só, interessante. Porém, se além de acompanhar 
a trama das histórias, atentarmos para os detalhes que 
Machado inclui em seus textos, ficaremos encantados 
com a variedade de observações postas ali. 

São notas e expressões dos mais variados naipes, indo 
desde o irônico — fator praticamente característico de 
Machado — até o poético, passando pelo filosófico e o 
humorístico, sem deixar de anotar conceitos típicos da 
época. 

Anotei e exponho alguns desses detalhes,dos contos 
que tenho lido ultimamente. Vejam o colorido da coisa. 

Aqui mostrando o grotesco de uma figura: 
"A cabeça de Justiniano Vilela, — se se pode chamar 
cabeça a uma jaca metida numa gravata de cinco voltas 
— era um exemplo da prodigalidade da natureza quando 
quer fazer cabeças grandes". 
(in "As bodas de Luís Duarte"). 

Descendo na profundidade da mente de uma criatura, 
não hesita em juntar coisas díspares: 
"Calisto Valadares suspeitava que houvesse uma omissão 
nas Escrituras, e vinha a ser que entre as pragas do Egito 
devia ter figurado o piano. Imagine o leitor com que cara 
viu ele sair uma das moças do seu lugar e dirigir-se ao 
fatal instrumento". 
(in "As bodas de Luís Duarte"). 

É um preciso descrevedor do seu tempo. Quando comecei 
a me meter em poesia (e foi aos vinte anos) a atmosfera 
era outra: 
"É um lugar-comum em quase todos os poetas novéis 
maldizer do destino e tecer elogios ao desânimo aos vinte 
anos de idade". 
(in "Possível e impossível"). 

Ainda conceitos do seu tempo, aos 36 anos, uma mulher, 
se não era considerada velha, estava ali, no quase-quase: 
"A recém-chegada estava então sentada junto à dona da 
casa, senhora de trinta e seis anos, ainda bela, mas dessa 
beleza do outono e do crepúsculo que ainda reúne 
elementos para impressionar"
(in "Possível e impossível"). 

Uma tirada atual até agora, os filósofos, agora também 
chamados de cientistas, continuam com as mesmas ideias 
"d'antanho": 
"Depois que os filósofos modernos, com a mania de 
destruir tudo, afirmaram que o criador era uma invenção 
dos homens, eu, que não dou ao acaso as honras de ter 
criado o universo, substituí Deus por um grande feiticeiro, 
autor de todas as coisas, e nem por isso sou mais absurdo 
que os filósofos". 
(in "Os óculos de Pedro Antão"). 

Vejam a originalidade, olhos eloquentes, tudo bem, 
mas comparados a discursos de Cícero contra Catilina 
(são chamados de catilinárias), nunca tinha visto: 
"— Poderei crer no que me diz? perguntou ela. 
A resposta do jovem médico foi apertar-lhe muito a mão, 
e cravar nela uns olhos mais eloqüentes que duas 
catilinárias". 
(in "O sainete"). 

Outra alusão aos costumes da época. As mulheres não 
tinham outro objetivo na vida (nem poderiam), a não ser 
arranjar um marido: 
"Lapa trabalhava de luneta. Quando ele a metia na arcada 
do olho esquerdo,  encarquilhando a cara desse lado, 
ficava mais desengraçado que sem ela; mas Joaninha, que 
não procurava um engraçado, mas um marido, não notava 
a diferença ou agravo, e acudiu à luneta com os seus olhos 
de vista clara e longa". 
(in "A inglesinha Barcelos"). 

Humorístico e irônico, se refere ao marido de D. Angélica 
(o mesmo da citação seguinte), provavelmente uma pessoa 
medíocre: 
"Basta saber que morreu quando de todo se lhe extinguiu 
a vida, coisa que provavelmente não lhe aconteceu sem 
perder a saúde". 
(in "Um dia de entrudo"). 

A ironia se revela aqui, um respeitado cavalheiro, que... 
Deixa que ele mesmo diz. A corrupção não é coisa nova.  
"Mas não lhe falem de homem que mereça o respeito, 
o amor e a consideração, porque D. Angélica cita logo 
um caso do marido que, entre parênteses, enriqueceu 
em pouco tempo". 
(in "Um dia de entrudo"). 

Lição de profundo alcance. A teoria pode ser muito bonita,
mas sem prática, é letra morta, de nada vale: 

"— Não te iludas, disse ele, a melhor lição deste mundo não 
vale um mês de experiência e de observação. Abre um 
moralista; encontrarás excelentes análises do coração 
humano; mas se não fizeres a experiência por ti mesmo 
pouco te valerá o teres lido. La Rochefoucauld aos vinte 
anos faz dormir; aos quarenta é um livro predileto...". 
(in "Tempo de crise"). 

Poesia ou filosofia? Realmente, as ambições materiais 
vão ficando pelo caminho (nem sempre), esculpindo o 
homem lentamente: 
"Também ele tivera ambições, que o tempo levou, 
como leva outros tantos pedaços da alma". 
(in "Silvestre"). 

Vejam que beleza de imagem! 
E se pensarmos bem, quanto prefácio bonito tem resultado 
em tantos péssimos livros (homens e mulheres): 
"A de doze era uma criança querendo ser moça, 
um lindo prefácio de mulher. Qual seria o livro?". 
(in "Muitos anos depois"). 

Descrevendo uma personalidade. Reparem a acuracidade 
com que traça o perfil de gente que já conhecemos: 
"...era dessas mulheres que, emendando a natureza, que as 
não fez nascer no trono, fazem-se rainhas por si mesmas". 
"Seus lábios não eram feitos para a súplica 
nem seus olhos para a meiguice". 
(in "Muitos anos depois"). 

Finalmente (por hoje já chega), dando o endereço de uma 
casa, nos leva a um tempo em que as ruas tinham nomes 
bonitos. Não era essa barafunda de hoje, em que a rua 
Deputado Não-Sei-Quem cruza com a Av. Desembargador 
Sei-Lá-Das-Quanta, confluindo na Alameda Senador 
Despautério de Souza. Uma coisa Horrorosa! 
Vejam a delicadeza do tempo de Machado: 
“...na Rua de S. Pedro [...] entre a Rua Formosa e 
a Rua das Flores”. 
(in "Casa não casa"). 

Pois é, digníssimos leitores, lendo Machado, só não se
diverte 
quem não quer. 

Abraço do tesco. 

4 comentários:

Anônimo disse...

realmente fantástico, né?
sem palavras!
hiscla

Shirley Brunelli disse...

Percebe-se que você, Roberto, lê com a alma...Beijos!

Denise Carreiro disse...

Tesco, faz algum tempo que não leio Machado, mas me lembro que quando adolescente, cheguei a devorar seus livros, justamente devido a essa ironia que lhe é peculiar.
Obrigada pelo elogio que vc fez ao meu blog. Adoro seus comentários, sempre tão pertinentes. Muita paz!

Anônimo disse...

Meu caro, pouco posso opinar sobre esse tipo de literatura, espero que um dia minha profissão me de tempo para conhecer de verdade!
hiscla