segunda-feira, 7 de outubro de 2013
BOBAGENS LINGUÍSTICAS-18
ORIGEM ERUDITA
Num certo trecho do artigo "As últimas da Flor do Lácio",
a professora Walnice Nogueira Galvão afirma o seguinte:
Guimarães Rosa em prefácio de Tutaméia - Terceiras
estórias, diz que seria ingenuidade, senão ignorância,
acredita que o povo é a fonte de toda criação.
Faz questão de assinalar que muitas das palavras mais
indispensáveis e familiares foram invenções com autor
e data:
“ao modo como Cícero fez qualidade (“qualitas”), Comte
altruísmo, Stendhal egotismo, Guyau amoral, Bentham
internacional,Turguêniev niilista, Fracastor sífilis, Paracelso
gnomo, Voltaire embaixatriz (“ambassadrice”), Van Helmont
gás, Coelho Neto paredro, Rui Barbosa egolatria, Alfredo
Taunay necrotério”. Acrescente-se morfologia, que devemos
a Goethe.".
Ingênuo ou ignorante, o certo é que eu nunca imaginei que
palavras de uso comum fossem "fabricadas" desse modo, por
escritores, oradores, médicos, filósofos...
Certo que a contribuição de Stendhal pode ser suprimida
sem nenhum sofrimento, 'egoísmo' e 'egocentrismo' dão de
goleada em 'egotismo', que não me parece ser de uso
corrente. Também 'paredro' nem sei pra que serve.
Mas a professora diz mais algo interessante:
O escritor certamente apreciaria o sabor de certas aclimações
felizes, como o esplêndido Xburger – pois o nome da letra xis
não é homófono do vocábulo cheese? -, bem como a difusão
demótica do genitivo inglês, estampado por todo o território
nacional, nos inúmeráveis estabelecimentos chamados Chico’s,
Dito’s, Mucama’s, Iracema’s, etc.Luís Fernando Veríssimo diz
que um dia quer ter um bar com o letreiro Apóstrofo’s.
Independentemente de incorporarmos à sintaxe brasileira,
esse sucinto modo de expressão da língua inglesa, o bar do
Veríssimo deve fazer sucesso.
MAIS ALGUNS TERMOS MÉDICOS
Ainda folheando o "Dicionário Etimológico Termos Médicos",
de Ricardo Santos Simões, Maria Candida Pinheiro Baracat e
Rafael de Lima, encontramos expressões que dão o que pensar.
BIFURCAÇÃO –
do latim Bis, dois, duplo e Furca, fôrca, forcado de dois dentes.
A fôrca romana, originalmente, era dupla, em forma de T, isto
é, tinha dois braços.
Curioso isso, será que os romanos pretendiam enforcar em
dupla? Já existia "dupla caipira" naquele tempo?
BOCA –
do latim Bucca, bochechas, a cavidade da boca. O termo foi
provavelmente assimilado do hebreu Bukkah, que tinha o
sentido de vazio, oco. Em latim, o contorno da abertura da
boca (rima dos lábios) era denominado “Os”.
Interessante constatar que herdamos essa dualidade de termos,
com uma expressão para a parte externa e outra para a parte
interna da boca. Por isso nunca ouvi falar em "sexo bucal".
BRAÇO –
do grego Brachion, braço.
Esta palavra deriva do grego Brachis, curto, breve, porque o
membro superior é mais curto que o inferior. A palavra inglesa
é Arm (braço) sendo que a palavra armadura deriva dela,
porque a primeira peça idealizada como proteção foi uma
ombreira de metal ou couro rígido que protegia a articulação
do ombro, onde um golpe podia seccionar o tendão do
músuclo supra-espinhal, dificultando oou impedindo o
manejo da espada.
Ah! Esta é a razão de fazermos trabalho 'braçal' e usarmos
'bracelete', mas não usarmos nenhuma 'braçadura'.
CÁLICE –
do grego Kalyx, taça.
Refere-se a toda estrutura em forma de taça, como os cálices
renais. Em botânica, a palavra cálice (da flor) parece ter
origem do grego Kalypto, esconder, cobrir, significando o
local recôndito para os órgãos reprodutores do vegetal,
mas é interessante notar que o cálice da flor, invertido,
assemelha-se a uma taça na mesma posição.
Quem diria que o 'cálice' de flor não ser devido à semelhança
com um cálice, mas por 'esconder' órgãos reprodutores?
Isso, porém, me deixa curioso: O que será que o eucalipto
esconde tão bem? ['eu' bem, bom + 'kalypto' esconder].
CIRURGIÃO –
do grego Cheirourgos, que deriva de Cheir, mão e Ergon,
trabalho.
A cirurgia nasceu como terapia pela qual o praticante “exercia,
a cura, com as mãos, em oposição “a medicina, que operava
através de fórmulas magistrais e/ou filosóficas. Na idade média
e inicio da moderna os médicos eram os únicos que estudavam
em Universidades enquanto os cirurgiões (chamados de
Barbeiros) acumulavam conhecimentos de forma empírica.
Cirurgião era massagista? Que medo!
CLÍNICO –
do latim Clinicus, ao leito, relativo à cama e do grego Kliné,
leito, cama.
Os médicos antigos (gregos e romanos) geralmente atendiam
seus doentes em templos ou em praças públicas.
Somente aos nobres e patrícios era dado o privilégio do
atendimento a domicílio, junto ao leito. Os médicos que assim
procediam eram chamados de clínicos.
Hoje, em praças públicas, só se faz medir a pressão arterial,
mas ter médico junto ao leito (memo em hospitais) continua
sendo um privilégio.
CORPO –
do latim Corpus, corpo, substância, matéria.
O termo denomina várias estruturas e tinha, na antiguidade,
o significado geral de “acúmulo” de substâncias. Daí os
nomes de corpo lúteo, corpo caloso, corpo estriado etc.
O organismo morto é usualmente denominado de cadáver,
que parece derivar do latim Cadere, cair, ou da união de
Cadere e Vero, verdadeiro, significando definitivamente
caído o poderia ser uma palavra composta, formada pelas
primeiras sílabas das palavras da expressão CAro DAta
VERmis (carne dada aos vermes).
É muito conhecida a expressão “Orandum est ut sit” mens sana
in corpore sano. Verso de Juvenal (Sátira, X), sendo conhecido
somente as últimas palavras, significando (devemos rezar para
ter) um espírito são num corpo são.
Bem, "mens sana in cadaver sano" é muito difícil mesmo.
Nem 'orandum'!
COTOVELO –
do latim Cubitus, forma corrupta de Cubitellum, diminutivo
de Cubitum, coto, cotovelo.
Cubitus era o nome antigo do osso Ulna que também designava
todo o antebraço. A palavra deve ter–se derivado do latim
Cubare, reclinar, deitar. Porque era comum em Roma antiga os
indivíduos se reclinarem para fazer as refeições, apoiando-se
nos cotovelos, isto é, reclinado.
Designava também o leito próprio para a ceia e uma medida
de comprimento (em português, côvado), que podia variar de
45 a 56 cmas, dependendo da região.
Como o 'povão' costuma trocar sílabas, nesse processo de
alterar termos complicados (ou não), deriva o fato de não
falarmos hoje 'covitelo' em vez de cotovelo.
FÓRNIX –
do latim Fornix, abobada, arco de porta.
Era o nome dado pelos arquitetos romanos aos arcos de tijolos
ou a um aposento com teto curvo. As prostitutas romanas mais
pobres trabalhavam ao ar livre, à noite, debaixo dos arcos dos
aquedutos. Fornix também era o nome da moradia baixa e
abobadada (na realidade um porão úmido), abaixo do rio
Tibre, onde elas viviam. Daí, em português a palavra fornicação
com sentido sexual, Em anatomia, nomeia especialmente uma
estrutura cerebral conhecida por Galeno e descrita por Vesálio.
Debaixo dos arcos? Abaixo do rio Tibre? É, parece que a dita
'vida fácil' nunca foi fácil!
CONVERGÊNCIA DE CONCEITOS
Por coincidência, na mesma "Balas de Estalo" citada no post
anterior desta série, que é datada (não a série, mas a "Bala")
de 8 de julho de 1885, Machado de Assis cita Terêncio e
Corneille, mas apenas por analogia de conceitos:
[...]
O Sr. Zama deu-me anteontem uma, embora indiretamente.
S. Exa. disse na Câmara que quer a abolição imediata,
mas aceitou o projeto passado e aceita este, pela regra
de Terêncio:
quando não se pode obter o que se quer,
é necessário que se queira aquilo que se pode.
Regra que me faz lembrar textualmente aquela outra
de Thomas Corneille:
Quand on n'a pas ce que l'on aime.
Il faut aimer ce que l'on a.
[Nota do tesco: Traduzida nos parachoques dos caminhões
como: 'Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho'].
Terêncio ou Corneille, tudo vem dar neste velho
adágio, que diz que quem não tem cão, caça com
gato.
Já aí, em final do século 19, Machado consigna o atual
'caçar com gato', e não o presumido 'caçar como gato',
divulgado pelo Pasquale Cipro Neto.
Abraço do tesco.
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2 comentários:
Tesco, o que seria de mim se não fosse você. Eu e Antonio babamos nesse post. Cultura útil e deliciosa.
Beijotescas
Nem acho inútil! Passei a admirar mais as coisas quando tive umas aulas de Latim (láááá loooonge...). Tipo "Deus" e "Dia" terem a mesma raiz que significa "Luz". Supimpa!
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