domingo, 22 de setembro de 2013
ANALISANDO LETRAS - 5
ARGUMENTO
Não vamos falar da música do Paulinho da Viola, mas de uma
música cantada por Nelson Gonçalves. É o "Argumento", de
Adelino Moreira
Desde criança que a ouço, pois foi gravada em 1959, e gosto
de ouví-la: A interpretação do Nélson é magistral, como
sempre, e a letra é um mimo de poesia bem feita - nos moldes
antigos: Métrica e rima sem nemhuma restrição - além de um
perfeito casamento com a melodia.
Porém, ainda não tinha prestado atenção à letra, pois nunca
cantei esta canção. Somente há alguns meses atrás me vi
intrigado com o verso: "Mas se fui pecador condeno a Lua!"
"Que coisa estranha!", pensei, "Se a moda pega, vai haver
processo que não acaba mais em cima da pobre Lua!".
Fui então averiguar quem era mesmo o culpado nessa história.
Deparei-me então com algo ainda compatível com o final dos
anos 50, mas inteiramente anacrônico se comparado aos
costumes de hoje, talvez até incompreensível: Um namorado
suplica o perdão da namorada por havê-la beijado sem
permissão!
Esquisito? Sim, os tempos mudam! Mas não pense o amável
leitor que isso é apenas fruto de um comportamento pautado
por uma moral dignificante. Certo que a integridade individual
deva ser respeitada, mas muito dos costumes, a maioria
mesmo, era devido à imposição de uma sociedade rígida e...
hipócrita!
O maior cuidado de todos não era não cometer a infração,
mas cuidar para que ninguém visse a infração ser cometida.
Sei que essa característica não é privilégio de tempos antigos,
mas havia essa preocupação maior em "manter as aparências".
Essa rigidez social, em que não poderia haver mobilidade
sócio-econômica alguma, por exemplo, era decorrente da
proximidade cronológica do período da escravidão. Havia que
manter nítida a separação entre os antigos "senhores" e os,
não mais escravos, mas ainda "inferiores". Isso pode ser
demonstrado pela prática de alguns clubes de futebol, que
não admitiam em seus quadros, jogadores negros. O Náutico,
de Recife, por exemplo, só abdicou desse costume em 1960.
Essa "camisa-de-força" é a responsável pela manutenção de
costumes aparentemente castos, e não o romantismo.
Isso não chega a tirar o encanto da música, "Argumento"
continua tão "impecável" como quando foi lançada.
Eis aí abaixo o poema de Adelino, a música pode ser ouvida
no You Tube, clicando-se no título.
"ARGUMENTO
Adelino Moreira
Sei que este argumento é muito pobre
Mas sabendo o quanto és nobre
Sei que podes perdoar.
Sei que este farrapo de desculpa
Não redime a minha culpa
Mas enfim eu vou tentar.
Sei que fui ousado no meu gesto
Não ouvindo teu protesto
Para ouvir meu coração.
Sei que uma desculpa não redime
Meu pecado quase crime
De um beijo sem permissão.
Mas se fui pecador condeno a lua
Que abandonou a rua
E fugiu com o luar,
Pois ela adivinhando meu desejo
Provocou aquele beijo
E assim me fez pecar.
Se impetuoso fui tem compaixão
E em nome do amor
Suplico teu perdão.
Perdoa meu amor
Este pecado
Sublime impulso de te haver beijado."
* * *
Não sei se 'este argumento é muito pobre' para um post,
mas acredito que a música vale a pena.
Abraço do tesco.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Tesco, nunca ouvi essa música e fui procurá-la no Youtube. Que maravilha.
Beijotescas
Com certeza o argumento não é nada pobre. A música é lindíssima e a voz de Nelson Gonçalvez, então...
Valeu a pena ouvir essa pérola. Muita paz!
Postar um comentário