Ainda na antologia de Leandro Gomes de Barros (veja 
sortesco aí embaixo), colhemos essa interessante 
sucessão de preciosidades, no cordel "O casamento 
hoje em dias". 
Observem como, a partir da 17ª estrofe (Um sábio disse 
uma vez...), o poeta exalta a mulher (até a 19ª), para, em 
seguida, aplicar-lhe uma bela rasteira, com um desfecho 
hilariante. 
O CASAMENTO HOJE EM DIAS
Leandro Gomes de Barros
Quem casa n'um tempo d'este
Perdeu de tudo a razão
Urna mulher em 6 mezes,
Val dez annos de prisão
Agora as de onze e dõze
Com treze annos e quatorze?
Que faz esse desgraçado?
Olha para o céo exclama
Meu Deus! Nasci n'uma cama
Para morrêr n'um roçado.
Eu pensei que o casamento
Fosse uma parte do gózo
Mas, o que, elle faz parte 
É de um xarope arnargoso.
Arde mais do que pimenta
É como o sol quando esquenta.
O homem perde a façanha,
Faça elle o que quiser
Porque a mão da mulher
Em vez de allisar arranha.
A mulher é um volume
Que tem um pêso infinito
Com carne de dois-mil reis
Feijão a crusado o litro
Farinha a mil e trezentos
Toucinho dois mil e duzentos
E esse só tem o couro
Ainda diz a mulher
Compre pelo que estiver
Não faça cara de choro.
Cinco litros de farinha
Do Recife ou Afógados
Se a pessõa for medir,
Talvez dão dê dez punhados,
Quiabo um, um vintem
E todo o dia não tem,
Lenha dois vinténs a lasca
Bananna hoje é um brinco
Se der um  tustão por cinco
Só se encontra n'ella a casca
Assucar sete tustões
E por kilo enferrujado
Alguns pingam mel de furo
Quando vem pouco molhado
Moleque atraz do balcão
Cada qual que meta a mão 
Tira em grande quantidade, 
Chegam a formarem até bulha 
Depois que o cacheiro embrulha 
Já falta mais da metade. 
O solteiro não se assusta 
Isso faz medo ao casado 
Que tem por obrigação 
Ir a feira ou ao mercado 
Que pega a sexta ou o saco 
E olha para o buraco 
Onde elle precipitou-se 
Volta, acha a mulher zangada 
Pergunta-lhe a filharada 
Papae, me trouxe pão doce? 
Se o camaradinha disser 
Meu filho, um X não voltou 
A mulher pergunta logo 
O que fez do que levou? 
Tudo não está caro assim 
Não sobrou foi para mim 
Que o que como é subeijo 
Eu não sei mais o que faça 
Agora, por mais desgraça 
Estou de antojos tenho desejo. 
Estou desejando comer 
Queijo fino e goiabada, 
Tomar cidra e vinho do Porto, 
Passa, figo e marmelada, 
Ah! Quem me dera um presunto 
Havia de comer muito 
Acabaria o fastio 
Isso é para uma nobre 
Casei com um homem pobre 
Além de pobre, vadio. 
Veja um leitor se uma d'essas 
Deseja coisa ruim 
Pedra, pão, bagaço e lama, 
Uma casa de cupim? 
Só deseja coisas caras, 
Embora que sejam raras, 
Isso não ofende a ella. 
O burro velho demente 
Espera alli paciente 
Para botarem-lhe a sella. 
Para os tempos de abundancia 
Casamento é um pagode 
Porque com mil e quinhentos 
Compra-se a banda deum bode 
Farinha a cuia um crusado 
Capâo bonito e sevado
Com trez mil reis compram dois
Manteiga compra uma lata
Compra um tustão de batata
E cinco tustoes de arroz
Hoje que um quarto de bode,
Menor que aza de um grilo
Tem custado em qualquer feira
Mil  e duzentos o kilo
Vêr-se a farinha de roça
Preta, crua, azeda e groça
Corn inhaca de cupim,
E como um rapaz solteiro
Sem emprego e sem dinheiro
Se atreve a casar assim ?
Inda que o camaradinha
Não tenha mãe nem irmã
Quando esta casando pença
O que se come amanhã ?
Meu sogro não tem dinheiro
Queira Deus o marinheiro 
Queira me vender fiado,
Se a sogra. me visitar
i'!âo encontra o que jantar
Faz um bafafar damnado! 
Porém esses que se casam
Depois que pegou a guerra,
Só para empregado publico
Ou gente que come terra,
Não acha em que trabalhar
Não tendo onde se empregar
Nimguem lhe vende fiado
A mulher diz eu estou nua,
Não posso sahir na rua
Meu vestido está rasgado. 
Eu perguntei a um theologo
Homem muito scientifico
Se podia se encontrar
Mulher de genío pacifico
Elle me disse se encontra,
É diíilculdade monstra
Mas que o prestigio na droga
É mesmo uma raridade
Com especialidade,
N'uma freira ou n'uma sogra
Acrescentou o theologo
Entre espinhos nascem rosas
De dez mil mulheres feia
Tira-se cinco formosas
Como isso assim é tudo
Sai de um casal carrancudo
Um filho alegre e risão
Eu ainda não poude ver,
Foi uma sogra dizer
Que um genro tenha razão.
Mas mestre - perguntei eu - 
Terá. mulher .paciente ? .
Disse elle qualquer uma,
Estando na calma é prudente,
Porém quando està irada
A lingua fica afiada
Deita espuma pela boca
Desconhece a divindade
Comete temeridade,
Como que estivesse louca.
Um sábio disse uma vez: 
Sou defensor da mulher, 
Vejo no céu dos seus olhos 
O que não vejo em qualquer. 
E sem ella nada havia, 
Nem no espaço se via 
Os horizontes azuis. 
O mundo não tinha cores, 
Seria um campo sem flores, 
Ou uma igreja sem luz. 
Eu classifico a mulher 
Como a flor da existência, 
O altar de divindade, 
 O símbolo da innocencia
Pois vejo que esse obejecto 
Foi o grande predileto, 
Do autor da criação. 
Deus se esmerou tanto n'ella 
Que a fez a obra mais bella 
Entre toda a geração. 
Como a luz planta na treva 
O louro clarão garboso, 
A mulher planta o praser 
Num coração pressuroso. 
Como a rosa no sereno 
Ella com carinho ameno 
Faz abrir um coração. 
D'ella se extrai o praser, 
Tudo tem que lhe render 
O culto de adoração. 
Embora que muitas d'ellas 
Tornem-se um céu de torpesa, 
Um armazém de ciúme, 
Fabricação de despesa. 
Há n'ellas uma excepção: 
Algumas tem propenção 
Não comer e ajuntar. 
Um dia até sucedeu 
De uma o marido morreu 
E ella o quiz guardar. 
(Antologia Leandro Gomes de Barros, 
UFPB, 1977, págs 171-180)
Abraço do tesco. 
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Sabe tudo esse Leandro!! Quero uma versão revista e ampliada, pra incluir o povo glbtttkxowsyoe! Porque é tudo igual, viu?
Tesco, simplesmente adorável. Tomara que eu ganhe o livro.
Mais beijotescas
Postar um comentário