sábado, 21 de abril de 2018
O CONFERENCISTA ATRIBULADO
Naquela manhã ensolarada de domingo, Gustavo Torres,
em seu gabinete de estudo, alinhava preciosos conceitos
sobre a arte de ajudar.
Espiritualista consciencioso, acreditava que a luta na Terra
era abençoada escola de formação do caráter e, por isso,
atendendo às exigências do próprio ideal, enfileirava,
tranqüilo, frases primorosas para o comentário evangélico
que pretendia movimentar na noite seguinte.
Depois de renovadora prece, começou a escrever,
sentidamente:
– O próximo, de qualquer procedência, é nosso irmão,
credor de nosso melhor carinho.
– O caluniador é um teste de paciência.
– Quando somos vitimados pela ofensa, estamos
recebendo de Jesus o bendito ensejo de auxiliar.
– Desesperação é chuva de veneno invisível.
– A desculpa constante é garantia de paz.
– Não olvides que a irritação, em qualquer parte,
é fermento da discórdia.
– Suporta a dificuldade com valor, porque a provação
é recurso demonstrativo de nossa fé.
– Se um irmão transviado te prejudica o interesse,
recebe nele a tua valiosa oportunidade de perdoar.
– Se alguém aparece, como instrumento de aflição
em tua casa, não fujas ao exercício da tolerância.
– A calma tonifica o espírito...
Nesse momento, a velha criada veio trazer o chocolate, sobre
o qual, sem que ela percebesse, pousara pequena mosca,
encontrando a morte.
Torres anotou o corpo estranho e, repentinamente indignado,
bradou para a servidora:
– Como se atreve a semelhante desconsideração?
Acredita que eu deva engolir um mosquito deste tamanho?
Impressionada com o golpe que o patrão vibrara na bandeja,
a pobre mulher implorou:
– Desculpe-me, senhor! A enfermidade ensombra-me os
olhos...
– Se é assim – falou áspero –, fique sabendo que não preciso
de empregados inúteis...
O conferencista da arte de ajudar ainda não dera o incidente
por terminado, quando o recinto foi invadido pelo estrondo
de um desmoronamento.
O condutor de um caminhão, num lance infeliz, arrojara
a máquina sobre um dos muros da sua residência.
O dono da casa desceu para a via pública, como se fora
atingido por um raio.
Abeirou-se do motorista mal trajado,e gritou, colérico:
– Criminoso! Que fizeste?
– Senhor – rogou o mísero –, perdoe-me o desastre.
Pagarei as despesas da reconstrução.
Tenho a cabeça tonta com a moléstia de meu filhinho,
que agoniza, há muitos dias...
– Desgraçado! O problema é seu, mas o meu caso será
entregue à polícia.
E quando Torres, possesso, usa o telefone, discando para
o delegado de plantão, meninos curiosos invadiam-lhe o
jardim bem tratado, esmagando a plantação de cravos que
lhe exigira imenso trabalho na véspera.
Exasperado, avançou para as crianças, ameaçando:
– Vagabundos! Larápios! Rua, rua!... Fora daqui!... Fora daqui!
Dai a instantes, policiais atenciosos cercavam-lhe o domicílio
e Torres regressou ao gabinete, qual se estivesse acordando
de um pesadelo...
Da mesa, destacava-se minúsculo cartaz, em que releu
o formoso dístico aí grafado por ele mesmo:
– “Quando Jesus domina o coração, a vida está em paz.”
Atribulado, sentou-se.
Deteve-se novamente, na frase preciosa que escrevera,
reconheceu quão fácil é ensinar com as palavras e quão difícil
é instruir com os exemplos e, envergonhado, passou a refletir...
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Irmão X (espírito Humberto de Campos)
("Contos e apólogos", psicografia Chico Xavier)
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