TRADUTOR

English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

sábado, 21 de abril de 2018

O CONFERENCISTA ATRIBULADO


Naquela manhã ensolarada de domingo, Gustavo Torres, 
em seu gabinete de estudo, alinhava preciosos conceitos 
sobre a arte de ajudar. 

Espiritualista consciencioso, acreditava que a luta na Terra 
era abençoada escola de formação do caráter e, por isso, 
atendendo às exigências do próprio ideal, enfileirava, 
tranqüilo, frases primorosas para o comentário evangélico 
que pretendia movimentar na noite seguinte. 
Depois de renovadora prece, começou a escrever, 
sentidamente: 


– O próximo, de qualquer procedência, é nosso irmão, 
   credor de nosso melhor carinho. 

– O caluniador é um teste de paciência. 

– Quando somos vitimados pela ofensa, estamos
   recebendo 
de Jesus o bendito ensejo de auxiliar.

– Desesperação é chuva de veneno invisível. 

– A desculpa constante é garantia de paz.  

– Não olvides que a irritação, em qualquer parte, 
   é fermento da discórdia. 

– Suporta a dificuldade com valor, porque a provação 
   é recurso demonstrativo de nossa fé. 

– Se um irmão transviado te prejudica o interesse, 
   recebe nele a tua valiosa oportunidade de perdoar. 

– Se alguém aparece, como instrumento de aflição 
   em tua casa, não fujas ao exercício da tolerância. 

– A calma tonifica o espírito... 

Nesse momento, a velha criada veio trazer o chocolate, sobre 
o qual, sem que ela percebesse, pousara pequena mosca, 
encontrando a morte. 

Torres anotou o corpo estranho e, repentinamente indignado, 
bradou para a servidora: 
– Como se atreve a semelhante desconsideração? 
Acredita que eu deva engolir um mosquito deste tamanho? 

Impressionada com o golpe que o patrão vibrara na bandeja, 
a pobre mulher implorou: 
– Desculpe-me, senhor! A enfermidade ensombra-me os 
olhos... 

– Se é assim – falou áspero –, fique sabendo que não preciso 
de empregados inúteis... 

O conferencista da arte de ajudar ainda não dera o incidente 
por terminado, quando o recinto foi invadido pelo estrondo 
de um desmoronamento. 

O condutor de um caminhão, num lance infeliz, arrojara 
a máquina sobre um dos muros da sua residência. 

O dono da casa desceu para a via pública, como se fora 
atingido por um raio. 
Abeirou-se do motorista mal trajado,e gritou, colérico: 
– Criminoso! Que fizeste? 

– Senhor – rogou o mísero –, perdoe-me o desastre. 
Pagarei as despesas da reconstrução. 
Tenho a cabeça tonta com a moléstia de meu filhinho, 
que agoniza, há muitos dias... 

– Desgraçado! O problema é seu, mas o meu caso será 
entregue à polícia. 

E quando Torres, possesso, usa o telefone, discando para 
o delegado de plantão, meninos curiosos invadiam-lhe o 
jardim bem tratado, esmagando a plantação de cravos que 
lhe exigira imenso trabalho na véspera. 

Exasperado, avançou para as crianças, ameaçando: 
– Vagabundos! Larápios! Rua, rua!... Fora daqui!... Fora daqui! 

Dai a instantes, policiais atenciosos cercavam-lhe o domicílio 
e Torres regressou ao gabinete, qual se estivesse acordando 
de um pesadelo... 

Da mesa, destacava-se minúsculo cartaz, em que releu 
o formoso dístico aí grafado por ele mesmo: 
– “Quando Jesus domina o coração, a vida está em paz.” 

Atribulado, sentou-se. 
Deteve-se novamente, na frase preciosa que escrevera, 
reconheceu quão fácil é ensinar com as palavras e quão difícil 
é instruir com os exemplos e, envergonhado, passou a refletir...
================
Irmão X (espírito Humberto de Campos) 
("Contos e apólogos", psicografia Chico Xavier) 

Nenhum comentário: