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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

MALINCULIA



Vejam só, para se exprimir poesia não se torna
necessária escolaridade nenhuma!
Isso vocês já sabiam e o grande Patativa do Assaré
já tinha expressado nesses versos:

“Pra gente aqui sê poeta

e fazê rima compreta

não precisa professô;

basta vê no mês de maio

um poema em cada gaio

e um verso em cada fulô...”

(em “Cante lá que eu canto cá”).

Avanço essa informação pra que ninguém
estranhe as formas que aparecem no poema
“Malinculia”, que publico aí em baixo, e que não
sei se é do século 19 ou do começo do século
20. .

Aliás, ia transcrever somente o poema, mas
observei que a discussão sobre a grafia do termo
é bem interessante e resolvi transcrevê-la também.
O texto faz parte do livro “A língua de Eulália”, uma
novela sócio-linguística do professor Marcos Bagno,
da qual recomendo a leitura.



MALINCULIA

Malinculia é uma forma não-padrão de
melancolia. Esta é uma palavra que é “grego
puro”. É formada de melan, “negro, preto,
escuro, sombrio”, mais kholê, “bile”. A bile (ou
bílis), como vocês se lembram das aulas de
Biolo­gia, é aquele líquido viscoso e esverdeado
produzido pelo fígado e que ajuda na digestão.
melancolia, para os gregos antigos, é um estado
doentio, é estar com a “bile preta”.


— Mas o que tem a ver estar com a “bile preta” e
sentir melancolia? Afinal, melancolia não é
“tristeza, sau­dade, depressão”?

— Justamente, acontece que os antigos médicos
gregos (Hipócrates, lembram-se dele, o “pai da
Medici­na”?) acreditavam que o nosso corpo,
quando doente, produzia determinados líquidos,
chamados humores, que afetavam o estado
emo­cional da pessoa. Um desses supostos
líquidos, produzido pelo fí­gado, seria essa “bile
preta” (melankholê), que deixaria a pessoa triste,
cabisbaixa, saudosa, deprimida. Enfim, um mau
humor...

— Quer dizer que as expressões “bom humor” e
“mau humor” vêm daí também?


— Exatissimamente. Com o tempo, po­rém, se
descobriu que essa tal “bile preta” nunca existiu,
era pura fantasia dos médicos gregos. Mas a
palavra melancolia já tinha criado raízes na
língua e continuou viva, indicando este estado de
espí­rito, mesmo depois que aquela crença na
existência de uma “bile preta” foi abandonada.
Os latinos chegaram até a criar uma palavra
própria, tradução direta do grego: atrabílis, de
atra, “preta”, e bílis. Daí vem o horroroso adjetivo
português atrabiliário.


— Muito interessante essa transformação do
sentido da palavra. Antes designava uma
sensação física, uma suposta doença do corpo,
e depois passou a designar um sentimen­to, uma
doença da alma. Mas como foi que melancolia
se transformou em malinculia?


— A forma padrão melancolia tem diversos
equivalentes na língua não-padrão: Malinculia,
malincunia, malencolia, malinconia.
Esta última
forma, malinconia, curiosamente é a forma
oficial, padrão, do italiano moderno, língua que
também registra as mesmas outras formas do
PORTUGUÊS não-padrão, classificadas de
“regio­nais” pelos dicionários italianos. A forma
derivada diretamente do grego, melancolia,
existe na língua dos nossos avós italianos, mas
é considerada de uso exclusivamente “literário”.
As formas que hoje sobrevivem no pnp são
arcaísmos, quer dizer, formas que eram
utilizadas antigamente mesmo na língua culta e
que foram substituídas por outras formas mais
próximas do original grego.



MALINCULIA

Antonino Sales

1 Malinculia, Patrão,

2 É um suspiro maguado

3 Qui nace no coração!

4 É o grito safucado

5 Duma sodade iscundida

6 Qui nos fala do passado

7 Sem se torná cunhicida!

8 É aquilo qui se sente

9 Sem se pudê ispricá!

10 Qui fala dentro da gente

11 Mas qui não diz onde istá!

12 Malinculia é tristeza

13 Misturada cum paxão,

14 Vibrando na furtaleza

15 Das corda do coração!

16 Malinculia é qui nem

17 Um caminho bem diserto

18 Onde não passa ninguém...

19 Mas nem purisso, bem perto,

20 Uma voz misteriosa

21 Relata munto baxinho

22 Umas história sodosa,

23 Cheias de amô e carinho!

24 Seu moço, malinculia

25 É a luz isbranquiçada

26 Dos ano qui se passô...

27 É ternura... é aligria...

28 É uma frô prefumada

29 Mudando sempre de cô!

30 Às vez ela vem na prece

31 Qui a gente reza sozinho.

32 Otras vez ela aparece

33 No canto dum passarinho,

34 Numa lembrança apagada,
35 No rumance dum amô,
36 Numa coisa já passada,
37 Num sonho que se afindô!
38 A tá da malinculia
39 Não tem casa onde morá...
40 Ela veve noite e dia
41 Os coração a rondá!
42 Não tem corpo, não tem arma,
43 Não é home nem muié...
44 E ninguém lhe bate parma
45 Pru caso de sê quem é!
46 Ela se isconde num bejo
47 Qui foi dado há muntos ano...
48 Malinculia é desejo,
49 É cinza de disingano,
50 Malinculia é amô
51 Pulo tempo sipurtado,
52 Malinculia é a dô
53 Qui o home sofre calado
54 Quando lhe vem à lembrança
55 Passages da sua vida...
56 Juras de amô... isperança...
57 Na mucidade culhida!
58 É tudo o que pode havê
59 Guardado num coração!
60 É uma histora que se lê
61 Sem forma de ispricação!
62 Pruquê inda vai nacê
63 O home, ou mermo a muié,
64 Capacitado a dizê
65 Malinculia o qui é!!!



Que a melancolia lhes seja suave!

Abraço do tesco.


7 comentários:

Daniel Savio disse...

Não savia que havia variações regionais sobre a palavra melancolia, mas a poesia que você apresentou, parece um pouco dos repentitas do Nordeste...

Fique com Deus, menino Tesco.
Um abraço.

Clenes Calafange disse...

Tio, foi ótimo esse resgate sobre a origem da palavra melancolia. Muito interessante.

Anônimo disse...

Interessantíssimo, Tesco!!!

Acho que para exprimir poesia tem que se ter alma sensível.

Beijo

Inglês Rápido e Descomplicado disse...

tem muitas coisas que aprendo aqui! Tio é cultura! (muuita!!!!!!!)
beijo!

Inglês Rápido e Descomplicado disse...

tem muitas coisas que aprendo aqui! Tio é cultura! (muuita!!!!!!!)
beijo!

hiscla disse...

Adoro Etmologia!
Ajuda entender as coisas, né?
mas desta vez vc foi otimo!
sempre aprendo com vc, Tesco!

Magna Santos disse...

Muito bom, Roberto! Adorei o estudo da palavra e também o poema matuto. Gosto deste estilo. Tanto que cheguei a ir em Assaré, um ano antes do Patativa falecer. Ele nos recebeu muito bem.
Abraço.
Magna
Obs.: publiquei em Sementeiras algo que vai lhe parecer familiar...sobre uma borboletinha.