O livro "Instruções psicofônicas", de Chico Xavier, nao é
psicografia, é sim, a transcrição de mensagens transmitidas
pelo médium, oralmemte.
Foi composto e publicado em 1955, e contém mensagens
muito interessantes.
Uma delas, que apresento a vocês agora, demonstra que,
muitas vezes, o "castigo divino" não nos é imposto por
nenhuma autoridade, além da própria consciência do infrator.
É o mecanismo descrito por Dostoiévski em sua novela
"Crime e castigo".
Mostra também que a consciência culpada, incapaz de
moldar um organismo completamente sadio, se torna
responsável por muitas das deficiências e limitações que o
espírito tem que superar em sua imediata encarnação no
nosso planeta.
Conclamo a todos à leitura atenta.
Quem não acredita na comunicação dos espíritos ou - pior
ainda - não acredita em espíritos (o que é um contra senso,
pois todos nós somos espíritos), leia como peça de literatura:
é um tema empolgante!
Transcrevo o capítulo integralmente, para permitir o
entendimento do caso pelo leitor:
DEPOIMENTO
A mensagem de J. P., que designamos apenas por suas Iniciais,
em virtude da comovente lição que nos traz, foi recebida na
noite de 13 de maio de 1954, no encerramento de nossas tarefas.
Para elucidar certas passagens desta comunicação psicofônica,
é forçoso esclarecer que ele nos visitara anteriormente, sendo
socorrido pela doutrinação evangélica.
É curioso notar que uma de nossas irmãs, elemento efetivo de
nosso Grupo e esposa de um dos nossos companheiros, meses
antes da mensagem que aqui transcrevemos, revelava todos
os sintomas de uma gravidez aparente e dolorosa, tendo sido
tratada espontaneamente, em várias reuniões sucessivas, por
um de nossos Benfeitores Espirituais que, carinhosamente, a
libertou, através de passes magnéticos, das estranhas
impressões de que se via possuida.
Com grande surpresa para nós, viemos então a saber que o
Espírito J. P. era o candidato ao renascimento que não chegou
a positivar-se.
Cremos sejam necessárias as presentes anotações, não
só para que a mensagem seja devidamente aclarada, como
também para estudarmos importantes Incidentes que podem
ocorrer, entre dois mundos, em nossa vida comum.
Com a inflexão de quem chorava intimamente, o visitante
assim se expressou, sensibilizando-nos a todos:
~~~ ~~~ ~~~
13 de maio de 1954!...
Há precisamente sessenta e seis anos eram declarados livres
todos os escravos no território brasileiro.
E talvez comemorando o acontecimento, determinam os
instrutores desta casa vos fale algo de minha história, de
minha escura história, porqüanto, em seus últimos lances,
ela se encontra de certo modo associada à obra espiritual
de vosso Grupo.
J. P. foi o meu nome em Vassouras, a fidalga Vassouras do
Segundo Império.
Resumirei meu caso, tanto quanto possível, porque, como
é fácil perceberdes, não passo ainda de pobre viajante da
sombra, em árduo serviço na própria regeneração.
Em março de 1888 fui convidado a participar de expressiva
reunião da Câmara Vassourense por meu velho amigo Doutor
Correia e Castro. [O comunicante refere-se a pessoa de suas
relações íntimas, em 1888. — Nota do organizador].
Cogitava-se da adoção de medidas compatíveis com a
campanha abolicionista, então na culminância.
Alguns conselheiros propuseram que todos os fazendeiros
do Município instituíssem a liberdade espontânea, a favor do
elemento cativo, com a obrigação de os escravos alforriados
prosseguirem trabalhando, por mais cinco anos consecutivos,
numa tentativa de preservação da economia regional.
Discussões surgiram acaloradas.
Diversos agricultores inclinavam-se à ponderação e à
benevolência.
Entretanto, eu era daqueles que pugnavam pela escravatura
irrestrita.
Encolerizado, ergui minha voz.
Admitia que o negro havia nascido para o eito.
Nada de concessões nem transações.
O senhor era senhor com direito absoluto; o escravo era
escravo com irremediável dependência.
Aderi ao movimento contrário à proposta havida, e nós, os da
violência e da crueldade, ganhamos a causa da intolerância
porque, então, Vassouras prosseguiu esperando as surpresas
governamentais, sem qualquer alteração.
De volta ao lar, porém, vim a saber que a inspiração da
providência sugerida partira inicialmente de um homem
simples, de um homem escravizado...
Esse homem era Ricardo, servo de minha casa, a quem
presumia dedicar minha melhor afeição.
Era meu companheiro, meu confidente, meu amigo...
Inteligência invulgar, traduzia o francês com facilidade.
Comentávamos juntos as notícias da Europa e as intrigas da
Corte... Muitas vezes, era ele o escrivão predileto em meus
documentários,
orientador nos problemas graves e irmão nas horas difíceis...
Minha amizade, contudo, não passava de egoísmo implacável.
Admirava-lhe as qualidades inatas e aproveitava-lhe o concurso,
como quem se reconhece dono de um animal raro e queria-o
como se não passasse de mera propriedade minha.
Enraivecido, propus-me castigá-lo.
E, para escarmento das senzalas, na sombra da noite,
determinei a imediata prisão de quem havia sido para mim
todo um refúgio de respeito e carinho, qual se me fora filho
ou pai.
Ricardo não se irritou ante o desmando a que me entregava.
Respondeu-me às perguntas com resignação e dignidade.
Calmo, não se abateu diante de minhas exigências. Explicou-se,
imperturbável e sereno, sem trair a humildade que lhe brilhava
no espírito.
Aquela superioridade moral atiçou-me a ira.
Golpeado em meu orgulho, ordenei que a prisão no tronco
fosse transformada em suplício.
Gritei, desesperado.
Assemelhava-me a fera a cair sobre a presa.
Reuni minha gente e as pancadas — triste é recordá-las! —
dilaceraram-lhe o dorso nu, sob meus olhos impassíveis.
O sangue do companheiro jorrou, abundante.
A vítima, contudo, longe de exasperar-se, entrara em
lacrimoso silêncio.
E, humilhado por minha vez, à face daquela resistência
tranqüila, induzi o capataz a massacrar-lhe as mãos e os pés.
A recomendação foi cumprida.
Logo após, porque o sangue borbotasse sem peias, meu
carrasco desatou-lhe os grilhões...
Ricardo, na agonia, estava livre...
Mas aquele homem, que parecia guardar no peito um coração
diferente, ainda teve forças para arrastar-se, nas vascas da
morte, e, endereçando-me inesquecível olhar, inclinou-se à
maneira de um cão agonizante e beijou-me os pes...
Não acredito estejais em condições de compreender o martírio
de um Espírito que abandona a Terra, na posição em que a
deixei...
Um pelourinho de brasas que me retivesse por mil anos
sucessivos talvez me fizesse sofrer menos, pois desde aquele
instante a existência se me tornou insuportável e odiosa.
A Lei Áurea não me ocupou o pensamento.
E quando a morte me requisitou à verdade, não encontrei no
imo do meu ser senão austero tribunal, como que instalado
dentro de mim mesmo, funcionando em ativo julgamento que
me parecia nunca terminar...
Lutei infinitamente.
Um homem perdido por séculos, em noite tenebrosa, creio eu
padece menos que a alma culpada, assinalando a voz gritante
da própria consciência.
Perdi a noção do tempo, porque o tempo para quem sofre sem
esperança se transforma numa eternidade de aflição.
Sei apenas que, em dado instante, na treva em que me debatia,
a voz de Ricardo se fez ouvir aos meus pés:
— Meu filho!... meu filho!...
Num prodígio de memória, em vago relâmpago que luziu na
escuridão de minhalma, recordei cenas que haviam ficado a
distância [Ao contacto do benfeitor espiritual, a entidade
sofredora entrou a lembrar-se de existência anterior, em que
a vítima lhe fora pai na experiência terrestre. — Nota do
organizador], quadros que a carne da Terra havia conseguido
transitoriamente apagar...
Com emoção indizível, vi-me de novo nos braços de Ricardo,
nele identificando meu próprio pai... meu próprio pai que eu
algemara cruelmente ao poste de martírio e a cuja flagelação
eu assistira, insensível, até ao fim...
Não posso entender os sentimentos contraditórios que então
me dominaram...
Envergonhado, em vão tentei fugir de mim mesmo.
Em desabalada carreira, desprendi-me dos braços carinhosos
que me enlaçavam e busquei a sombra, qual o morcego que
se compraz tão somente com a noite, a fim de chorar o remorso
que meu pai, meu amigo, meu escravo e minha vítima não
poderia compreender...
No entanto, como se a Justiça, naquele momento, houvesse
acabado de lavrar contra mim a merecida sentença
condenatória, após tantos anos de inquietação, reconheci,
assombrado, que meus pés e minhas mãos estavam retorcidos...
Procurei levantar-me e não consegui.
A Justiça vencera.
Achava-me reduzido à condição de um lobo mutilado e urrei
de dor... Mas, nessa dor, não encontrei senão aquelas mesmas
criaturas que eu havia maltratado, velhos cativos que me
haviam conhecido a truculência... E, por muitos deles, fui
também submetido a processos pavorosos de dilaceração. (*)
(*) [Refere-se o comunicante a sofrimentos que experimentou
nas regiões inferiores da vida espiritual, sob a vingança de
muitas das suas antigas vítimas revoltadas. — Nota do
organizador].
Passei, porém, a rejubilar-me com isso.
Guardava, no fundo, a consolação do criminoso que se sente,
de alguma sorte, reabilitado com a punição que lhe é imposta.
A expiação era serviço que eu devia à minha própria alma.
Se algum dia pudesse rever Ricardo — refletia —, que eu
comparecesse diante dele como alguém que lhe havia
experimentado as provações.
Lutei muito, repito-vos!...
Sofri terrivelmente, até que, certa noite, fui conduzido por
invisíveis mãos ao lar de um companheiro em cuja simpatia
recolhi algum descanso...
Aí, de semana a semana, comecei a ouvir palavras diferentes,
ensinamentos diversos, explanações renovadoras. (**)
(**) [Refere-se o comunicante ao culto doméstico do Evangelho,
existente no lar do nosso companheiro de quem se havia
aproximado. — Nota do organizador].
Modificaram-se-me os pensamentos.
Doce bálsamo alcançou-me o espírito dolorido. E, desse
santuário de transformação, vim, certa feita, ao vosso Grupo.
(***) [A entidade reporta-se à primeira visita que fez ao nosso
Grupo, quando foi atendida por nossa casa, através da
incorporação mediúnica, em 1952. — Nota do organizador].
Há quase dois anos, tive o conforto de desabafar-me convosco,
de falar-vos de meus padecimentos e de receber-vos o óbolo de
fraternidade e oração.
Mas porque desejasse associar-me mais intimamente ao lar em
que me reformava, atirei-me apaixonadamente aos braços dos
amigos que me acolhiam, intentando consolidar mais
amplamente a nossa afeição.
Queria renascer, projetando-me em vosso ambiente... Para isso,
busquei-vos como o sedento anseia pela fonte... E tudo fiz para
exteriorizar-me; entretanto, eu não possuía forças para
mentalizar as mãos e os pés!
Se eu retomasse a carne, seria um monstro e se concretizasse
meu sonho louco teria cometido tremendo abuso...
Além disso, estaria na posição de um aleijado, simplesmente
regressando do inferno que havia gerado para si mesmo.
Nesse ínterim, contudo, os instrutores de vossa casa me
socorreram...
Auxiliaram-me, sem alarde, noite a noite, e, graças ao Senhor,
meu propósito foi frustrado.
Mas, se é verdade que não pude retratar-me de novo, no campo
da densa matéria, para tentar o caminho de reencontro com
Ricardo, recebi convosco, ao contacto da prece, o reajuste de
minhas mãos e de meus pés.
Orando em vossa companhia e mentalizando a minha
renovação em Cristo, minha vida ressurge transformada.
Agora, esperarei o dia de minha volta ao campo normal da
experiência humana, a fim de, em me banhando na corrente
da vida física, apagar o passado e limpar minhas culpas,
através do trabalho, com a minha justa escravização ao dever,
para, então, mais tarde, cogitar da suspirada ascensão.
Mas, porque recompus minha forma, aqui estou convosco e
vos digo: — Aleluia!...
— Viva a liberdade!
Louvo a liberdade que me permite agora pensar em receber
o bem-aventurado cativeiro da prova, favorecendo-me por
fim o galardão da cura!
Amigos, eis que nos achamos em 13 de maio de 1954!
Para minhalma, depois de 66 anos, raia um novo dia...
Para mim, a luz não tarda!... a luz de renascer! E assim me
expresso, porque somente na esfera de luta em que vos
encontrais como privilegiados tarefeiros, por bondade de
Nosso Senhor Jesus-Cristo, é que poderei encontrar o sol da
redenção.
Agradeço-vos a todos, recomendando-me feliz às preces de
todos os companheiros, preces que constituem vibrações de
amor que ainda me empenho em recolher, como sementes de
renovação para o dia de amanhã que espero, em Jesus, seja
enfim abençoado...
Que o Senhor nos ampare.
J. P.
*** *** ***
De qualquer modo, é uma leitura que vale a pena!
Meditem no ensinamento e tenham um Feliz Ano Novo!
Abraço do tesco.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Q ensinamento trás esse texto! Vou apontar um deles, a importância do Evangelho no Lar. Quantos espíritos são socorridos nesses momentos em que também higienizamos o nosso lar, através de alguns momentos de preces. Muita paz!
Olha, uma ótima leitura que nos faz pensar que a vida é imensa e que aqui é só um pedacinho dela. Tanto sofrimento naquela época, enfim... Por quantos anos terrenos andam nossas almas a reencarnar até que esteja tudo em paz? Depois de cumprir a missão na Terra, existe uma outra missão em um outro lugar? Há quantos bilhões de anos nossas almas existem?
Um excelente ano pra nós.
Beijo!
Postar um comentário