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domingo, 20 de janeiro de 2013

DUES VIES


Em dezembro passado, meti-me a ler um pequeno livro de
contos escrito em língua catalã. Trata-se de "La creació d'Eva
i altres contes", de Josep Carner, publicado em 1922,

- E você domina o catalão, tesco?

De modo algum, porém não é uma linguagem tão difícil, pois
é neo-latina e, pode-se dizer assim, um híbrido de espanhol
e francês. Que, aliás, é onde se concentra seu predomínio:
Nordeste da Espanha e um tiquinho do sul da França.

Devido a minha falta de familiaridade com a língua, somente
consegui captar o sentido geral dos contos, não percebendo
quase nada da sutileza embutida neles. Mesmo assim, um dos
contos me atraiu a atenção pelo colorido e diversidade de
personagens e situações. Foi o conto "Dues vies", que, grossu
modu
, pode ser lido como 'duas visões', quer dizer, 'dois
pontos de vista'. E, como esses pontos de vista são opostos,
aceitei a versão do tradutor Google: 'Ambos os sentidos'.

Achei esse conto tão interessante que resolvi fazer uma
tradução para o português, para lhes apresentar.

- Hum, não conhece a língua mas se atreve a apresentar uma
tradução. Não é muita pretensão sua não, tesco?

Nem tanto. Com os recursos disponíveis hoje, tradutor
eletrônico on line, dicionários também on line, um pouquinho
de ousadia não fica tão destoante. Acresce que é necessário
um tanto de criatividade, e isso me acontece às vezes.
Sendo assim, leiamos essa tradução tosca.

- Não seria 'tradução tesca'?

Também (e parece que normalmente são sinônimos). Tradução
tosca, dizia eu, de um conto que, se o frade mais robusto fosse
baixinho, seria o protótipo da criação do Henfil (Fradinhos).

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AMBOS OS SENTIDOS
Josep Carner
(in "A criação de Eva e outros contos")


 
Uma vez, já faz muito tempo, havia dois frades que andavam
pelo mundo, e eles conduziam um burro que carregava o bem
que Deus lhes concedia de esmolas, e em que montavam,
alternadamente, quando tinham feito longa caminhada. Um era
catalão e era chamado de Frei Pere, o outro era espanhol e
era chamado Frei Pedro, ao burro deram o nome de Pedreny,
que é um nome muito apropriado para burros.

Em Frei Pere a graça de Deus era acompanhada com as graças
humanas; era um enorme homem corado, de saudáveis barbas
rústicas, acostumado com longas rotas e com o atrito de
arbustos aromáticos. Irmão Pere, como um pedaço de pão,
parecia não conhecer aquela íntima e repentina tristeza, que
nos vem desde a maçã de Eva. Com os olhos sempre móveis,
a sua face constantemente expressiva, com simpatia se dirigia
a camponeses e empregados, com piadas sobre o burro, com
alegria sincera e fraterna a todas as pessoas, e a seu
companheiro, com inocentes distorções humorísticas de textos
latinos.

Frei Pedro, apesar de estar ciente de toda aquela alegria, não
se escandalitzava com as brincadeiras de seu companheiro: e
isto era, até mesmo, uma prova de sua santidade. Frei Pedro
era pequeno e magrelo, de cara chupada, de alma
naturalmente frenética e golpeada por desolações. Tinha uma
idéia incomum, um pouco dura, de dignidade,e não era
impositivo nem ferrenho, mas, basicamente, se não fosse
pelos dons que lhe havia dado Nosso Senhor, e a tutela
vigilante do seu anjo da guarda, nada teria sido mais fácil,
humanamente falando, que esconder seu lado humano.

Por vezes, Pedreny estacava e começava a zurrar, com tristeza
inconsolável. Em vão era puxado o cabresto por Frei Pedro,
mas Frei Pere tinha um jeito de fazer cócegas na orelha dele
com um raminho de alecrim, que imediatamente conjurava o
encanto da indolência sentimental. Frei Pedro, às vezes em
noites de inverno,  sem sucesso chamava a portas egoístas:
mas aí se lançava Frei Pere e, agachando-se, passava a mão
pela porta dos gatos, estendia a mão e conseguia a esmola.

Quando acontecia que topavam com um carreiro, lançando
toda a sorte de impropérios e blasfêmias porque seu carro
tinha afundado no atoleiro, Frei Pedro, se mostrando
carrancudo, condenava o seu ressentimento, mas Frei Pere,
com simplicidade, ajudava o carreiro, sabendo que dar
conselhos a alguém enfurecido é como querer extinguir um
incêndio com um maço de carqueja seca. E mesmo, o carreiro,
depois de ouvir a descompostura de Frei Pedro, se virava para
o lado de Frei Pere, todo envergonhado, às vezes ainda dizia
uma palavra feia, mas com um espírito de verdadeiro
arrependimento.

Uma vez os dois frades chegaram numa cidade, era de noite,
e não viram luz a não ser em uma casa. Essa casa pertencia a
um padeiro e, como era sábado e as pessoas daquela cidade
tinha muito gosto por doces e guloseimas, o padeiro ainda
trabalhava. Era um homem honesto e generoso, e prontamente
recebeu os dois frades, com rosto alegre expansivo. Ele levou
Pedreny ao estábulo, e mandou sua filha preparar duas camas
para os viajantes. E, em seguida, de volta para a loja, mostrou
seus utensílios, e explicou os tipos de produtos que preparava.
Havia ali uma massa, que tinha saído do forno pouco antes, e
os frades perguntaram ao padeiro que coisa era, pois estava
tão brilhante quanto um astro.

- Pasta caramelizada - disse o padeiro - que é, como Vossas
Reverências devem saber, algo que os anjos cantam.

Esta sugestão metafórica induziu Frei Pedro a colocar o dedo
dentro da massa. Mas imediatamente o retirou com uma careta
e um grito arrepiante, e começou a balançá-lo rapidamente.
Tinha queimado o dedo. O padeiro, às pressas, aplicou-lhe
uma tira de batata, mas a agudeza da dor experimentada por
Frei Pedro já não vai deixar-lhe a imaginação sossegada,
mesmo quando se atenua o doloroso acontecimento.

Frei Pere, solícito, deu assistência ao seu companheiro, e os
dois monges ainda permaneceram com o padeiro por um bom
momento, porque ainda iam encarar um delicioso jantar.

Terminado o jantar, Frei Pere lançou o olhar na direção da
pasta caramelizada. O grau de consistência denunciava o
arrefecimento que tinha ocorrido. Passou então o dedo pela
pasta e, a seguir, aproximando-o dos lábios, um sorriso suave,
benigníssimo, fluiu em seu rosto. Fez uma pequena reverência
em silenciosa homenagem ao padeiro, atrás de Frei Pedro; e
logo foi-lhes mostrado o quarto onde iriam pernoitar e
internaram-se nele. Antes de deitar-se, porém, por dentro,
cada um fazia sua consideração:

-Se isso é tão abrasador - pensava Frei Pedro - como não
será o inferno?!

-Se isso é tão doce - pensava Frei Pere - como não será o
céu?!

E, perseverando cada um em seus pensamentos, ambos
eram santos e, onde quer que estejam hoje, lírios lhes sejam
dados, por cima das estrelas.


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Como podemos inferir, a conclusão à que as pessoas chegam,
a partir de certas situações, se fundamenta nos resultados
colhidos, mas depende grandemente das concepções básicas,
que norteiam a vida dessas pessoas.

Portanto, que a vida lhes seja tão doce quanto pasta de
caramelo, e que vocês não sejam diabéticos.

Abraço do tesco.

3 comentários:

Anônimo disse...

Dantinhas,. fiquei maravilhado com o conto do Tesco, que de tosco não tem nada. Seria para nosso bem um grande contador de histórias, mesmo adptando-as, ou vertendo-as para nossa compreensão e deleite. Sds. Chico

Anônimo disse...

Maravilhoso.
Beijotescas

Anônimo disse...

Muito bom, certamente o tradutor tem mérito.
Manoel Carlos