TRADUTOR

English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

EVOCAÇÕES


Numa emocionante crônica em 20/112008,
Yvonne cita seu irmão, saudoso dos muitos
amigos mortos na flor da idade. Este é caso
similar ao de tragédias cotidianas, em que
pessoas queridas são retiradas subitamente
do nosso convívio.

Isso é um fato recorrente na nossa vida com o
decorrer do tempo. A grande tragédia dos que
vivem muito é olhar ao redor e não mais ver os
amigos e parentes com quem costumava
compartilhar sua vida.

Pois compartilhar os fatos vividos, mesmo os
mais amargos, com amigos contemporâneos,
pessoas que podem nos entender sem nenhuma
dificuldade, é um dos maiores prazeres da
humanidade.

A ausência dos companheiros causa uma
profunda consternação, e deixa um rombo na
memória afetiva, que pode ser remendado,
mas nunca volta à textura original.

Não só as pessoas nos deixam esse sabor de
coisa faltante à nossa mesa. Tudo o que nos
acompanhou (ou nós acompanhamos) durante
parte de nossa vida, nos deixa assim, saudosos.

Pode-se pensar que é um fenômeno de hoje,
devido à grande velocidade com que os fatos
passam por nós. Mas não é. É coisa perene,
componente da psiquê humana.

Nélson Ferreira compôs e lançou no carnaval de
1957, o famoso frevo "Evocação Nº1", que toca
justamente neste ponto: Relembra grandes
vultos do carnaval pernambucano e seus blocos
carnavalescos.

"Felinto, Pedro Salgado, Guilherme,
Fenelon - cadê seus blocos famosos?
Bloco das Flores, Andaluzas, Pirilampos,
Apois-Fum, dos carnavais saudosos".

No poema "Elegia carioca", do livro "Alguma
poesia", de 1930, Carlos Drummond de
Andrade também relembra:

"[...] Onde estão Rodrigo, Aníbal e Manuel
Otávio, Eneida, Candinho, em que Galeão
Gastão espera o jato da Amazônia? [...]".

Manuel Bandeira, no seu poema de 1925
"Evocação do Recife", diz entre outras coisas:

"A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!".

Este último exemplo mostra que não é somente
de pessoas que se sente a falta. Principalmente
para as crianças, as coisas, como edificações,
marcas de produtos, títulos de revistas, parecem
eternos, são as referências que se tornam
marcos na vida.

E não é somente do século 20, não. Inúmeras
são as amostras que podem ser encontradas
ao longo da História, dessa nostalgia de pessoas
e coisas.

Mas, nesse século 21, uma nova “coisa’ vai se
tornando um objeto comum de recordações, e é
também de difícil reposição: O meio-ambiente.

No passado não eram tão incomuns as
recordações de objetos isolados, ou mesmo,
de pequenos conjuntos:

“Ah, aquela palmeira, onde cantava o sabiá,
onde estará?”

“Aquele bosque, onde eu costumava brincar,
pra onde foi?”

“Aquele rio, onde se banhavam tantas mocinhas
nuas, o que secou?”

Em futuro próximo as canções podem ser outras:

“Aquela floresta, tão pujante, quem assassinou?”

“Aquela bacia hidrográfica, tão cheia de vida,
quem a transportou?”

Coisas do século 21.


Abraço do tesco!

8 comentários:

Edu e Mau disse...

Acho que já cantaram sobre isso com muita propriedade e beleza, tesquinho:

"Não é possivel que você suporte a barra
De olhar nos olhos do que morre em suas mãos
E ver no mar se debater o sofrimento
E até sentir-se um vencedor neste momento

Não é possivel que no fundo do seu peito
Seu coração não tenha lágrimas guardadas
Pra derramar sobre o vermelho derramado
No azul das águas que voce deixou manchadas

Seus netos vão te perguntar em poucos anos
Pelas baleias que cruzavam oceanos
Que eles viram em velhos livros
Ou nos filmes dos arquivos
Dos programas vespertinos de televisão

O gosto amargo do silêncio em sua boca
Vai te levar de volta ao mar e à fúria louca
De uma cauda exposta aos ventos
Em seus últimos momentos
Relembrada num troféu em forma de arpão

Como é possível que voce tenha coragem
De não deixar nascer a vida que se faz
Em outra vida que sem ter lugar seguro
Te pede a chance de existência no futuro

Mudar seu rumo e procurar seus sentimentos
Vai te fazer um verdadeiro vencedor
Ainda é tempo de ouvir a voz dos ventos
Numa canção que fala muito mais de amor

Seus netos vão te perguntar em poucos anos
Pelas baleias que cruzavam oceanos
Que eles viram em velhos livros
Ou nos filmes dos arquivos
Dos programas vespertinos de televisão

O gosto amargo do silêncio em sua boca
Vai te levar de volta ao mar e à furia louca
De uma cauda exposta aos ventos
Em seus últimos momentos
Relembrada num troféu em forma de arpão

Não é possivel que você suporte a barra..."

tesco disse...

Edu, bem composta e bem cantada, porém, ainda se refere a uma só espécie, mesmo que queira alertar para o perigo que paira sobre muitas espécies. Acho que o perigo maior agora é o ecocídio, ou um "genocídio" ambiental. _Abraço.

Daniel Savio disse...

Sempre sentiremos saudades daqueles que nós amamos, ou nós fizeram felizes...

A coisa é quando devemos se tornar essa saudade (ou se algum dia vamos se torna ela).

Fica com Deus, menino Tesco.
Um abraço.

Magna Santos disse...

Bom chegar aqui nesta manhã de quarta-feira, numa breve folguinha no trabalho. Ler boas coisas me alimenta. Precisamos de alimentos para a alma. Posso dizer que estou nutrida, mas com um gosto ainda não reconhecido na boca. Talvez seja o gosto do "indigesto"; este é o gosto do lamento pela nossa negligência em relação à natureza. Nunca pensei em saudade também por essa via...do meio ambiente. Mas me pego aqui com saudade de um jasmim, plantado por minha vó que não conheci, mas que a reconheço toda vez que o visito. Ela está no seu cheiro, na sua firmeza, no seu verde, na sua permanência em um quintal antigo. Saudade, Tesco, li há pouco tempo em um artigo de um médico aqui da terrinha: "é o amor que fica". Esta definição foi dada por uma criança...e acho que ela sabia das coisas.
Um grande abraço.
Magna

Anônimo disse...

Caro Tesco, costumo dizer que evocação é uma palavra pernambucana. Diferente do vocabulário típico, com expressões regionais, evocação é uma palavra comum a todos lusófonos, mas em Pernambuco ela tem uma dimensão e um significado que os outros nem mesmo percebem. Mais do que lembrança, recordação ou saudade, evocação, para os pernambucanos, é o resgate de uma realidade passada.
Como o título, sua postagem evocou muita coisa, menos a minha recente perda, que ainda não se tornou lembrança, ainda é vívida e presente, o que, de certa forma, me mantém dilacerado.
Manoel Carlos

tesco disse...

Seja bem vinda, Magna, aqui é sua casa! Sua escolha no Sortesco está computada. Pois é, a saudade das coisas nos levam a pensar nas pessoas, isso é mais comum do que imaginava. A saudade do meio-ambiente parece ser uma coisa que se avizinha, a saudade do ambiente, porém, já é uma coisa estabelecida. Quantas saudades são decantadas de rodas de amigos, estudantes, círculos profissionais... _Beijos.

Daniel, nunca pensei em tornar-me saudade eu também. Mas é uma boa opção! Afinal, todos vamos sair de cena um dia, né? _Abraço.

Manoel, sua perda ainda é muito recente, sim, por isso mesmo nem toquei no assunto. Aqui estamos a
falar de sentimentos, mas não queremos cutucar feridas. Mas lembranças boas um dia se tornarão evocações, né? _Abraço.

Vivian disse...

...enquanto lia suas evocações
fui trazendo à mente o quintal
da casa da vovó,
local onde passei metade
da minha infância entre
goiabeiras, bananeiras,
laranjeiras, mandiocais,
galinhas, e muita, mas
muita paz.

fico só com esta saudades
por hora.

um bj, Tesquinho!!

fico feliz em sabê-lo
recuperado de um AVC,
e a continuar a nos
presentear com sua
presença inteligente
e enriquecedora.

hiscla disse...

Lendo seus comentários e evocando também minhas saudades muito pouco tenho a dizer, a não ser pra você, Tesco: Saudades.